domingo, 27 de dezembro de 2020

Cisnes Selvagens: Três Filhas da China, Jung Chang


Demorou, mas foi lido. Há várias coisas que retiro das minhas leituras e uma delas liga-se à minha vontade de continuar a aprender e a ir além do que já conheço. Por isso também é que há uns tempos procurei perceber a origem dos autores que andava a ler, de maneira a tomar decisões conscientes de ler livros que me alarguem horizontes e me permitam conhecer realidades mais distantes da minha. "Cisnes Selvagens: Três Filhas da China", da Jung Chang cumpria esses requisitos.

Este é um livro de não-ficção - coisa que geralmente me intimida um bocadinho -, mas que está escrito de uma maneira muito literária e fácil de acompanhar. Apesar disto, foi para mim uma leitura bastante lenta e tive até a necessidade de fazer uma pausa e intercalar com outros livros. Creio que se deva ao facto de ser um livro longo, com uma história longa e com alguns episódios que nem sempre me interessaram muito. Contudo, foi das melhores leituras do ano e, certamente, o livro com que mais aprendi.

Aqui acompanhamos a história de três gerações de mulheres na China, em que a mais nova é a autora do livro. Começa por nos falar da história de vida da avó, numa altura em que a China vive num sistema imperialista, com valores extremamente conservadores e tradicionalistas, onde a mulher não tem quaisquer direitos, existindo apenas como um objeto para servir o homem. Embora já sabendo de alguns aspetos, a leitura acerca dos costumes e valores desta altura impressionou-me bastante.

Vamos seguindo para a narrativa da vida da mãe da autora, em simultâneo com a ascensão do comunismo e posterior desilusão. Eventualmente chegamos à Revolução Cultural, em que eu tomei realmente consciência de provavelmente a maior razão para atualmente eu não conhecer autores clássicos chineses - já que tanto se perdeu.

A parte mais interessante deste livro foi precisamente a forma como aprendemos acerca da História de um país, em simultâneo com a narrativa de vida de três gerações de mulheres. A minha edição é usada e na primeira folha diz, "Para o Daniel abrir os olhos. Natal '99". Creio que o Daniel terá aberto os olhos e eu também. Aprendi imenso com este livro e recomendo-o muito a quem quiser conhecer melhor este país - para mim tão distante até aqui.

domingo, 29 de novembro de 2020

Great Expectations, Charles Dickens

Mais um livro de Charles Dickens lido e, desta vez, consegui enquadrá-lo na maratona literária #victober. Tinha o "Great Expectations" na estante à minha espera há muitos anos e as expectativas eram elevadas, dado que é conhecido como uma das suas principais obras-primas. Quem me conhece, sabe que adoro livros escritos na época vitoriana e que o ambiente neles criados é sempre uma zona de conforto para mim. Portanto, entrei nesta leitura como quem entra em casa, embora não possa deixar de dizer que tive algumas dificuldades em ambientar-me à escrita, visto que li este livro no original. Talvez por isso não tenha sentido tanta aquela dinâmica do contador de histórias, que tanto associo aos narradores criados pelo Charles Dickens. Ainda assim, adorei esta leitura.

Este é considerado um romance de formação, sendo que conhecemos o protagonista quando é ainda uma criança e o acompanhamos ao longo do seu desenvolvimento até à idade adulta e seguimos a sua formação enquanto pessoa. Este protagonista é tratado por Pip e surge-nos numa primeira cena em que está no cemitério a visitar a campa dos pais. E quando lerem este livro, fixem bem este momento, porque além de nos dar muito a conhecer sobre o Pip e a sua condição social - órfão e de famílias pobres - vai ser um momento importante a revisitar ao longo da sua vida. Nesta primeira cena, Pip é surpreendido por um fugitivo, que o assalta e lhe diz que no dia seguinte lhe terá que levar comida e uma lima, de maneira a alimentar-se e poder fugir.

Depois disto, Pip segue a sua vida e torna-se aprendiz de ferreiro com o marido da irmã, com quem tem uma relação de grande amizade. É com eles que vive e sempre a sentir-se mal, como se ali vivesse por favor, como lhe faz questão de deixar bem vincado pela irmã, que o maltrata. 

As questões da classe social são bem marcadas nesta obra, especialmente quando Pip é convidado a passar algum tempo na mansão de Miss Havisham, que traz um excelente elemento gótico para esta história. Para mim, esta personagem é uma personificação do passado, dos assuntos inacabados e dos lutos por fazer. A sua figura assemelha-se claramente a um fantasma, não só pela descrição que nos é feita, mas também pela sua casa, onde os relógios pararam e onde temos uma sala com um banquete da sua festa de casamento, com toda a comida apodrecida.

Com Miss Havisham vive a sua filha adotiva, Estella, com quem Pip fica maravilhado pela sua beleza e "estatuto", embora seja uma personagem pretensiosa, fria e calculista, que o faz sentir-se rejeitado e inferior. Contudo, é com ela que ele ambiciona ficar, vivendo a sua vida nesta expectativa.

A certa altura, Pip recebe a notícia que alguém lhe terá deixado uma herança e que deve seguir para Londres, de maneira a ser educado como um verdadeiro cavalheiro. Embora lhe tenha sido dito que o nome do seu benfeitor permanecerá secreto e que não deve especular sobre isso, Pip convence-se que se trata de Miss Havisham, alimentando assim a sua esperança de ter sido escolhido por ela como potencial marido de Estella.

Ao longo do livro, vamos acompanhando o desenvolver dos acontecimentos e vamos percebendo a forma como tudo isto vai levando à revelação do caráter de Pip, que cada vez mais se vai distanciando das suas origens, rejeitando associar-se à humildade da sua família. E a forma como Dickens dá um desfecho a esta história e trata esta personagem é brilhante, levando-nos a refletir sobre o dilema entre o ter e o ser, sobre o que é mais importante e o que é que realmente vale a pena.

sábado, 31 de outubro de 2020

A Catcher in the Rye, J. D. Salinger

 

Finalmente, li "The Catcher in the Rye", do J. D. Salinger, e percebi o que andava a perder. Apesar de já ter terminado este livro há algum tempo, continuo com ele muito presente e o protagonista - Holden Caulfield - passou a fazer parte do conjunto de personagens que passeiam pela minha cabeça.

Pelo que me tenho vindo a aperceber, este é um livro que divide opiniões, entre os que adoram e os que odeiam. Eu enquadro-me no primeiro grupo. Para quem vai à procura de um livro focado na ação e gosta de leituras em que estão sempre coisas a acontecer, acredito que se vá sentir frustrado com este livro. Para aqueles que se deliciam com a possibilidade de acompanhar personagens e seguir os seus pensamentos, acredito que tenham maior probabilidade de gostarem desta leitura. Ainda assim, há quem aponte como motivo para não ter gostado, a própria personalidade do Holden - mas já aí vou.

Este livro cativou-me deste a primeira frase, que marca bem o tom de todo o livro e se tornou num dos melhores começos que já li: "If you really want to hear about it, the first thing you'll probably want to know is where I was born, and what my lousy childhood was like, and how my parents were occupied and all before they had me, and all that David Copperfield kind of crap, but I don't feel like going into it, if you want to know the truth.".

É este o narrador e é este o tom com que nos fala - informal, descontraído, despretensioso, como se estivéssemos sentados num café enquanto nos conta o que aconteceu com ele durante os dois dias em que se passa este livro.

Recusando-se a dar-nos um background acerca da sua história, e deixando muitas perguntas por responder, Holden, um adolescente americano nos anos 50, é para mim um exemplar do que viria a ser a Geração Beat. Vagueamos com ele por Nova Iorque, num momento em que a escola não lhe está a fazer sentido, assim como o passar do tempo e o aproximar da vida adulta. Facilmente coloquei as lentes depressivas e negativistas deste protagonista e empatizei com o seu sofrimento e a forma de ver o mundo como cheio de hipocrisia - excepto no seu porto seguro, a bonita relação com a sua irmã mais nova.

Ficamos sem saber o que lhe aconteceu até chegar aqui, uma vez que só nos é concedida a oportunidade de espreitar um bocadinho para dentro da sua vida. Terminamos o livro e fica a curiosidade de onde terá ido parar o percurso desta personagem - que para mim foi escrita de uma forma absolutamente realista, que o tornou quase no equivalente a uma pessoa de carne e osso. Uma pessoa que eu própria gostaria de apanhar antes do abismo.

É um dos livro que irei reler ao longo da vida e que ficou aqui num cantinho especial.

domingo, 27 de setembro de 2020

As Vinhas da Ira, John Steinbeck



Há muito que queria ler "As Vinhas da Ira", do Steinbeck e, assim que disse que ia iniciar esta leitura, várias pessoas me disseram que era um favorito, que tinha sido um livro muito marcante e até difícil de ler, pela dureza do seu conteúdo, e que era um livro de brutal importância social. Tudo coisas que me agradaram, portanto.

Neste livro acompanhamos a viagem de uma família, que parte do estado do Oklahoma em direção à Califórnia. Isto dá-se nos anos 30, após o crash da Bolsa (1929), e numa altura em que todas as condições, seja climatéricas, financeiras ou sociais, levam a que esta família se veja obrigada a deixar a sua casa. Os terrenos deixaram de produzir, as máquinas começam a substituir o Homem e os bancos a destruir as casas dos que para eles se tornam em indesejados. Foi o caso desta família e de milhares de outras, que perante a fome e a pobreza se vêem obrigadas a deixar as suas casas onde permaneceram durante gerações, em busca de outras oportunidades e de algum sítio onde as deixassem viver e trabalhar.

Esse sítio era a Califórnia e é para aí que vão os Joad, a família que conhecemos aqui. Vendem tudo o que têm, de maneira a conseguirem as condições para a longa viagem. Vão atrás de um folheto onde anunciam precisarem de trabalhadores. Mas vão eles e muitos, muitos outros, com os quais nos vamos cruzar.

Confesso que levei algum tempo a envolver-me com esta leitura, mas a partir de certa altura passamos a importar-nos com as personagens e a querer vê-las bem. Vemos a luta diária por que passam, em busca de algo tão simples como um sítio para viver e trabalhar, onde sejam tratados de forma digna. E isto é precisamente o contrário daquilo que eles (e nós, através dos seus olhos) vão encontrando pelo caminho, onde são constantemente explorados por parasitas.

Este é realmente um livro com uma tremenda importância social e mantém-se atual nos dias de hoje. Felizmente algumas coisas mudaram, mas atualmente continuamos a viver num mundo em que temos baixas remunerações e em que o trabalhador ou aceita ou virá outro atrás de si a correr ocupar esse lugar. Estes livros ajudam-nos a perceber o caminho que tem sido percorrido, mas como ainda não podemos parar.

Foi duro viver estas páginas com estas pessoas. Steinbeck não nos poupa à dureza desta realidade que ele tão bem conheceu e brinda-nos com um final dos mais marcantes de sempre, e que vem confirmar a resiliência e o importante papel feminino nesta história, onde a personagem mais forte é uma mulher.

terça-feira, 4 de agosto de 2020

a máquina de fazer espanhóis, Valter Hugo Mãe

Foi desta que li Valter Hugo Mãe. Há anos que tenho este escritor na mira, de tanto ouvir falar bem dele. Aproveitei o empurrão do grupo de leitura "É Desta Que Leio Isto", onde foi lido o "a máquina de fazer espanhóis" durante o mês passado.

Neste livro acompanhamos a nova fase da vida do Sr. Silva, um barbeiro reformado, que é deixado no lar pela filha, após a morte da esposa. E por isto, é um livro que aborda a velhice, o passar do tempo, os medos, o olhar em retrospetiva para a vida que se viveu e todos os sentimentos que isso acarreta. É um livro que nos coloca de tal forma no lugar da sua gente, que é difícil conceber que foi escrito por alguém que nem 50 anos tem. 

O Valter Hugo Mãe dedica este livro sobre a terceira idade ao pai, "que não viveu a terceira idade". E fá-lo de uma forma cheia de empatia e através de uma escrita muito bonita. Encontramo-nos aqui com a ausência de maiúsculas típica de Saramago e com a ausência de marcadores de discurso, o que inicialmente pode parecer um obstáculo à leitura, mas rapidamente se entranha e entramos num ritmo de leitura muito fluído, em que por vezes se misturam pessoas e falas com pensamentos.

Este é daqueles livros que vou querer reler nos próximos anos, porque além do conteúdo da história em si, é uma leitura muito saborosa. Deu-me muito gosto ler a escrita deste autor e pretendo conhecer mais obras dele. Foi mais uma boa descoberta deste ano!

Um dos aspetos que mais me fascinou neste livro, além da escrita e do tema abordado - que não tenho apanhado em muitos livros; foi precisamente as personagens. Na discussão em grupo, questionávamo-nos se estas personagens eram realistas e a verdade é que o conteúdo tão elaborado dos seus diálogos vai no sentido contrário. Mas ao mesmo tempo não deixamos de acreditar nelas e de querer conviver com este grupo de amigos que aqui se formou. Há diálogos muito interessantes e ideias que merecem ser relidas e repensadas. 

Embora sejam livros e experiências diferentes, no outro dia dei por mim a comparar a minha leitura do "Aparição" e esta. Ambas tiveram um impacto semelhante em mim e me deixaram a pensar durante os momentos e dias que se seguiram ao término da leitura. Ambas tratam temas como a passagem do tempo, a existência, a finitude e o sentido para tudo isto. 

"o ser humano é só carne e osso e uma tremenda vontade de complicar as coisas."

domingo, 5 de julho de 2020

To The Lighthouse, Virginia Woolf

Desde que reli "Mrs. Dalloway", que pretendo conhecer toda a obra de Virginia Woolf. Ficou claro na altura que a escrita desta mulher é inigualável e tão especial. A leitura de "To the Lighthouse" veio confirmar isso mesmo.

Desta vez li em inglês e confesso que, embora me sinta bastante à vontade a ler nesta língua, tinha algum receio de vir a ter dificuldades em compreender inteiramente a escrita da Virginia. Isto confirmou-se de facto, tanto que senti necessidade de reler o primeiro capítulo numa versão traduzida, de maneira a ter a certeza que tinha compreendido bem o que estava a acontecer. Eventualmente ao longo do livro, experimentei ler algumas partes ao mesmo tempo que ouvia a narração em audiobook, o que também foi uma experiência muito boa. No fundo, não é um livro que se leia enquanto se divide a atenção com outra coisa qualquer. E esta tem sido a minha experiência com a escrita da Virginia. Os livros dela são imersivos e exigem quem entremos neles e prestemos atenção ao que nos está a mostrar.

Como já é habitual no que conheço dos livros desta autora, o mais importante não é necessariamente o enredo, no sentido em que o foco não está numa narrativa cheia de ação e reviravoltas estonteantes. Aqui acompanhamos as férias de uma família inglesa, os Ramsay, que todos os anos vão passar uns tempos numa casa situada numa ilha escocesa.

É um livro curto (cerca de 154 páginas) e que, em termos de estrutura, está dividido em três partes: The Window, Time Passes e The Lighthouse. Na primeira parte é-nos feita uma pintura do quotidiano desta família, em interação uns com os outros e com as pessoas que habitam aquela ilha e com quem já desenvolveram alguns laços. Vamos tomando consciência do que pensam uns dos outros e da forma como olham para as mesmas coisas, tendo cada um o seu ponto de vista. Nas restantes partes, como o título indica, o tempo passou e vamos ver o que isso trouxe para estas pessoas.

"(...) how life, from being made up of little separate incidents which one lived one by one, became curled and whole like a wave which bore one up with it and threw one down with it, there, with a dash on the beach."

É-me sempre muito difícil organizar todos os pensamentos em relação a um livro da Virginia Woolf, porque sinto que quanto mais tempo passa e quanto mais penso, mais ideias surgem e mais encantada fico com o impacto da escrita dela. Este é um livro sobre a passagem do tempo, sobre a marca que deixamos na vida uns dos outros e sobre memórias. É sobre como algumas coisas nos deixam e outras nunca mudam, dando-nos um porto seguro onde podemos voltar. Faz-nos pensar sobre como nunca há só uma forma de olhar as coisas e sobre como muitas vezes assumimos juízos de valor em relação a alguém com base apenas num ponto de vista, que será sempre incompleto.

Gostei muito deste livro, que dizem ser o mais autobiográfico dos seus romances. Quero muito relê-lo e continuar a deixar-me levar pela escrita tão bonita desta autora tão especial.

sábado, 6 de junho de 2020

Eu, Yalom: Memórias de um Psicoterapeuta, Irvin D. Yalom

Nos tempos de faculdade, muitas vezes sentia que devia ir além das leituras que me eram pedidas e aventurar-me mais pelas obras dos autores que andávamos a estudar. No entanto, naquela altura, com tão pouca disponibilidade para ler, nunca trocava os meus livros de ficção por essas obras. Só que depois, em conversa com colegas que diziam andar a ler certos livros técnicos e a adorar, sentia sempre que estava a perder alguma coisa e que devia fazer um esforço. 

Eventualmente, apaziguei-me e deixei de me cobrar leituras que não me apetecia fazer. Até porque comecei a pensar que para um livro ser bom, não basta ter boas ideias, é preciso estar bem escrito; e isso nem sempre acontece. Foi também por isso que este livro autobiográfico do Dr. Irvin D. Yalom me surpreendeu tanto e me marcou enquanto pessoa e profissional. Isto, ao ponto de, pela primeira vez, ter decidido enviar um e-mail ao autor assim que terminei o livro. E ele respondeu! O que acaba por ser condizente com a imagem que criei dele com  esta leitura.

Este talvez seja um livro que recomende principalmente a pessoas que se interessem pelo processo psicoterapêutico, pela relação estabelecida nesse encontro e por conhecerem algumas histórias e o percurso profissional deste autor. Apesar de já me terem sido recomendados alguns livros dele, comecei por este, o último que ele escreveu até agora. Acho que comecei bem, porque dá-nos a conhecer a pessoa por detrás dos livros e da abordagem terapêutica. Identifiquei-me muito com a sua postura humanista e com a forma como cuida de quem o procura. Li-o na altura certa e encontrei nele a orientação e validação de que precisava.

Neste livro acompanhamos os seus tempos de faculdade, percebemos a sua admiração por alguns professores, os primeiros pacientes, os anos como professor e os primeiros esforços por transmitir conhecimento através dos livros. Vamos percebendo a sua sede por inovação e por encontrar novas formas de chegar ao outro e àquilo que nos angustia enquanto seres humanos, nomeadamente através da forma como foi explorando os grupos terapêuticos. Fazemos um caminho pela escrita dos vários livros, do que os motivou e de como foi todo o processo. Conhecemos a pessoa por detrás da obra, as suas próprias angústias e motivações e percebemos quanta generosidade dele transborda ao querer transmitir o que sabe, nomeadamente a jovens terapeutas. 

Senti-me como se estivesse a ler um livro de memórias de alguém que a certa altura parecia um amigo a falar. Daí ter-me sentido confortável para estabelecer o contacto e daí ter tido tanta pena de ler as últimas palavras deste livro. Senti estar a despedir-me de alguém e não me apetecia nada. Acredito que agora, com 85 anos, pense ainda mais na morte e no medo de que tudo se perca, mas com um legado destes, a morte pode chegar que Irvin Yalom ficará connosco ainda durante muitos anos.

quinta-feira, 28 de maio de 2020

Obras Completas (volume 1), Maria Judite de Carvalho


"Para mais essa experiência, a da vida, foi sempre para mim demasiado difícil. Nunca me habituei a ela e isso é estranho porque todas as pessoas a consideram uma coisa simples e natural, a mais natural e mais simples de todas quantas existem. Eu fiz sempre cerimónia e não procedi por isso como devia, como procediam as outras pessoas, mesmo as mais broncas e as mais rudes, com à-vontade. Falei alto quando as regras mais elementares mandavam falar baixo, calei-me quando devia absolutamente dizer alguma coisa, não soube estar. Eu, de facto, nunca soube estar. Escolhi sempre mal as ocasiões para falar e para ficar calada. Troquei tudo, baralhei todas as coisas a ponto de não me achar a mim própria."


Sinto-me tão pequenina ao lado da escrita da Maria Judite, que não acredito ser capaz de articular alguma coisa que faça jus àquilo que encontrarão ao abrir um livro dela. É sempre marcante quando estou a ler um livro e me surpreendo comigo mesma lá no meio, sem quaisquer sinais de aviso. 

No fundo, é por isto que eu leio. É incrível sentirmo-nos ligados a alguém através das palavras. E alguém que as escreveu noutro sítio, noutros tempos, noutra pele, mas que afinal não é assim tão diferente de nós. E que forma tão bonita de usar as palavras! A escrita da Maria Judite de Carvalho é muito especial. Tenho vontade de a oferecer a toda a gente e ao mesmo tempo guardá-la só para mim. Há muito tempo que não me apaixonava assim pela escrita de alguém. E logo à primeira página! E também há muito tempo que não me emocionava ao ler um livro. Aliás, antes deste, não me lembro da última vez.

Felizmente, toda a obra da autora foi recentemente reeditada e publicada em seis volumes, por isso ainda tenho mais por onde ir depois deste. Escreveu maioritariamente contos e novelas, mas também algumas crónicas, poesia e uma peça de teatro. Neste primeiro volume estão os primeiros livros, "Tanta Gente, Mariana" (1959) e "As Palavras Poupadas" (1961). Fui conquistada logo com "Tanta Gente, Mariana", cujas palavras fui sublinhando (à semelhança do resto do livro) e vou agora relendo aos poucos, relembrando-me sempre da vontade que senti de poupar este livro enquanto o lia. Não queria de todo que ele chegasse ao fim, embora saiba que tenho cinco volumes à minha frente. Mas estava-se tão bem ali.

Sendo um livro de contos, não me faz sentido procurar resumir o que neles é abordado. Apesar de também escrever sob a perspetiva masculina, a maioria das personagens destes contos são mulheres que estão fora do trilho que havia sido traçado para a mulher portuguesa de meados do século XX. Através de todas elas, e de uma forma muito profunda, entramos em contacto com várias angústias inerentes à condição humana e à existência tal como ela é. Todos nós temos partes nossas que não partilhamos com ninguém e é aí que a escrita da Maria Judite vai.

Essa audácia expressa na sua obra é algo ainda mais incrível se formos a considerar a época em que foi escrita e o papel da mulher nessa altura. É admirável e inspirador encontrar alguém assim. Alguém que escreve uma obra como "Tanta Gente, Mariana", que foi, como o seu Urbano a viria a descrever, "uma espécie de bomba, sem excessos verbais, que caiu sobre o marasmo da sociedade portuguesa do final dos anos cinquenta, com uma ironia dolorosa, por vezes ácida, denunciando as frustrações e contidas mágoas da mulher portuguesa entregue aos caprichos masculinos e aos «brandos costumes» da hipócrita moral salazarista".

quarta-feira, 20 de maio de 2020

O Primo Basílio, Eça de Queiroz

Desde "Os Maias" que tinha saudades da escrita do Eça de Queiroz e "O Primo Basílio" era o livro que tinha aqui por ler na estante há uns anos. Foi-me recomendado como um "livro engraçado" e agora, depois de lido, posso dizer que concordo, até porque o sentido de humor é um dos aspetos que sempre associei à escrita do Eça. Isto especialmente no sentido em que ele muitas vezes ridiculariza as personagens, algo semelhante, na minha opinião, à escrita do meu querido Charles Dickens.

Resumindo o enredo desta história, nela começamos por entrar na casa deste casal burguês lisboeta, a Luísa e o Jorge. A leviandade das conversas entre eles, os problemas que os atormentam, tudo tão típico daquela sociedade da altura, levaram-me involuntariamente a ler as primeiras páginas do livro com aquela voz meio nasalada e muito chic. Acredito que o Eça tenha feito de propósito!

Com o desenvolver do livro fui-me ligando mais a estas personagens, embora a que me tenha despertado mais interesse tenha sido a Juliana, uma das criadas da casa. Quanto ao casal, este tem uma vida normal dentro daquilo que é esperado deles e da sua classe social. Ele tem uns negócios, ela fica em casa o dia todo, recebe pessoas, falam da vida dos outros e daquilo que no momento está a ser mais falado na moda e nas artes. Nestas conversas vamos notando a valorização cega e sem espírito crítico de algumas tendências que vêm do exterior, o que é também perceptível através do constante uso de estrangeirismos. É tudo muito chic.

Esta vida calma e pacata é virada do avesso quando Jorge precisa de se ausentar por questões profissionais, partindo para o Alentejo por uns tempos e deixando Luísa sozinha com o tédio dos dias. É nesta altura que volta a aparecer na sua vida uma pessoa que virá agitar as águas e trazer-lhe muitas noites mal dormidas. Bem aconchegadas, mas mal dormidas.

Este é um livro que explora alguns temas que já estamos habituados a ver associados à sociedade burguesa portuguesa do século XIX. Eça é conhecido pela crítica social que faz nas suas obras e neste livro essa crítica é especialmente aguçada. Aborda temas como a falta de espírito crítico, o adultério, a mesquinhez, a inveja, a disparidade entre classes sociais (mas que sendo todos seres humanos, têm também aspetos em comum), a vida de aparências, a falsa moralidade e a hipocrisia.

personagens desprezíveis neste livro - a maioria, diria eu. No entanto, despertam-nos interesse e motivam muito a vontade de continuar a leitura. Houve uma parte do livro em que o meu ritmo abrandou um pouco, mas rapidamente a ultrapassei e, fora esse momento, foi um livro que li num ápice. Até porque a certa altura estava desejosa de saber como é que a Luísa ia desatar aquele nó. E Eça resolveu muito bem esta história e terminou-a de uma forma que me agradou.

A minha edição tem no final uma preciosa carta escrita pelo Eça a Teófilo Braga, em que este se mostra surpreendido pelo interesse do amigo e escritor por esta obra e em que fala um pouco de como tentou fazer um retrato de um conjunto de pessoas tão típicas, que qualquer um deles conheceria alguém semelhante. É muito engraçado ver o autor falar da própria obra. Passei um bom bocado com este livro e recomendo muito a quem gosta de Eça.

domingo, 26 de abril de 2020

The Book Thief, Markus Zusak

Há anos que tinha a intenção de ler este livro, mas outros foram passando à frente. Finalmente cheguei a ele também e, embora não se tenha tornado num favorito da vida, gostei muito e vou-vos dizer porquê.

"The Book Thief" (ou em português "A Rapariga Que Roubava Livros"), do autor neozelandês Markus Zusak, é mais um livro cuja narrativa se passa na época da 2ª Guerra Mundial. Estão constantemente a ser publicados novos livros com esta temática, mas este acredito que a trata de forma um pouco mais original.

Fazendo uma breve sinopse da história, neste livro temos a Liesel Meminger como protagonista. A Liesel tem nove anos no início do livro e é-nos dada a conhecer aquando de uma viagem que faz com a mãe e o irmão, para serem ambos entregues a uma família adotiva, visto que o pai havia desaparecido (mais tarde ela sabe que o pai era comunista, embora não entenda o que isso significa) e a mãe deixou de ter condições para cuidar deles.

Nesta viagem, o irmão acaba por morrer e a Liesel vê-se frente à morte pela primeira vez. Após o enterro, no qual a Liesel rouba o seu primeiro livro, esta segue para casa da sua nova família, os Hubbermans, onde já existe um filho. A partir daqui, vamos acompanhando o seu crescimento, a frequência da Juventude Hitleriana, as brincadeiras na rua com os amigos, as dificuldades financeiras, a fome e pobreza, juntamente com o aproximar da guerra, a perseguição aos judeus e o medo dos bombardeamentos.

A certa altura, esta família decide abrigar um judeu na cave e a partir daí a Liesel vai vivendo uma vida paralela, ganhando cada vez mais consciência do mundo em que vive. É nesta cave que ela vai passando muito tempo, especialmente a ler. Os livros vão ganhando uma proporção cada vez maior na sua vida, inclusive em algumas das relações que vai desenvolvendo. Vai-se apercebendo do poder das palavras, para o bem e para o mal, chegando até a querer desfazer-se delas.

Embora diga que este livro não virou o meu mundo do avesso, acredito que talvez o tivesse feito se o tivesse lido há uns dez anos talvez. Gostei muito de várias coisas, nomeadamente do facto da história nos ser narrada pela morte, que vai visitando a Liesel algumas vezes. Esta é uma perspetiva muito original e dá uma cor diferente à forma como lemos o livro. Outro aspeto importante para mim foi o ter acompanhado estas personagens ao longo de anos da sua vida e ver o seu desenvolvimento durante esse tempo. Vemos que eles não começam a história da mesma maneira que acabam. Nem nós.

O próprio livro foi escrito de uma forma muito interessante, incluindo informações que o narrador considera relevantes para entendermos a história, como resumos de episódios ou características de certas personagens e informações que os personagens ainda não sabem.

É um livro que, além de nos fazer pensar acerca do mal que o ser humano consegue fazer a outro ser humano, leva-nos também a refletir sobre o impacto das palavras - seja para nos ajudar a distrair do mundo lá fora, seja para conhecermos o mundo e fazermos ouvir a nossa voz. É um história que lida também com a importância de nos colocarmos no lugar do outro, demonstrando-nos o impacto que o afeto pode ter na vida de alguém.

sábado, 11 de abril de 2020

The Hound of Baskervilles, Arthur Conan Doyle

Em Fevereiro do ano passado fui a Edimburgo e trouxe comigo dois livros de autores escoceses. Um deles foi "The Hound of Baskervilles", do Sir Arthur Conan Doyle, pai da clássica personagem Sherlock Holmes

Este é o quinto livro desta longa saga de aventuras cheias de mistério e um dos mais recomendados. Contudo, confesso que iniciei a leitura com medo de não gostar assim tanto. Esperava ter uma experiência semelhante à que tive com "O Médico e o Monstro", do também escocês Robert Louis Stevenson, por ambos conterem histórias cujo foco está no mistério e na surpresa em relação aos desfecho da história.

Gostei desse outro livro, como comentei por aqui, mas a certa altura já suspeitava o que se estaria a passar, então acabou por não me surpreender assim tanto. Como são livros antigos, cujo enredo já serviu tantas vezes de inspiração para outros autores que vieram depois, por vezes quando pegamos nestes livros já se torna difícil sermos surpreendidos. Nesse sentido, temia que o mesmo me acontecesse com este primeiro contacto com Sherlock Holmes, mas queria matar a curiosidade.

Livros policiais, de crime e mistério geralmente não são os que mais procuro, mas este superou bem as minhas expectativas. Esses medos que tinha, caíram todos por terra ao longo da leitura. Este é um livro em que o Dr. Watson, ajudante de Sherlock Holmes, tem mais "tempo de antena", pois é ele que vai diretamente de Londres para o local onde tudo acontece, de modo a tentar desvendar o mistério. Contudo, é um livro em que apesar do foco estar na ação, conhecemos bem a personalidade tanto do Sherlock Holmes como do Dr. Watson e eu devo confessar não simpatizei muito com o narcisismo do primeiro, embora lhe tenha achado uma certa graça.

Em termos de enredo, muito resumidamente, teremos neste livro uma morte misteriosa, associada a uma possível maldição que persegue a família Baskerville. As circunstâncias da morte são estranhas e Sherlock Holmes é chamado a tentar desvendar o que realmente aconteceu e a avaliar se é seguro para o herdeiro da família permanecer na casa onde tudo aconteceu. E eu sei que se eu própria lesse esta premissa, possivelmente não me interessaria pelo livro, mas acreditem que a certa altura não vão querer parar de ler, porque não vão descansar até saber como é que a morte aconteceu.

Vários pequenos mistérios vão sendo desvendados e as pequenas suspeitas que vamos tendo ao longo da leitura também vão sendo desconstruídas. Ou pelo menos foi isso que aconteceu comigo, ao ponto de não ter adivinhado o final.

É um livro curto, com capítulos de pouco mais de dez páginas e cada um a terminar de forma a deixar-nos com vontade de querer saber mais. A escrita é muito simples e objetiva, pelo que acho que este é um excelente livro para se ler quando nos apetece algo mais leve.

terça-feira, 31 de março de 2020

Aparição, Vergílio Ferreira

"Sento-me aqui nesta sala vazia e relembro." É assim que começa Aparição, livro escrito por Vergílio Ferreira e publicado em 1959. Livro cuja leitura eu preferia tê-la feito de forma mais pausada, respirada e partilhada. É um livro tão denso, que qualquer coisa que eu tente escrever sobre a minha experiência com ele vai limitar-se a isso mesmo, ao meu encontro com estas palavras.

Este clássico da literatura portuguesa é circular no sentido em que da mesma forma que começa, assim termina, ou seja, com o narrador sozinho numa sala vazia a lembrar o passado e a escrever-nos o que aconteceu. E a isto associo a ideia que o autor traz mais perto do final do livro, relativamente ao tempo e à forma como o passado, presente e futuro se ligam àquilo que somos.

"Mas o tempo não existe senão no instante em que estou. Que me é todo o passado senão o que posso ver nele do que me sinto, me sonho, me alegro ou me sucumbo? Que me é todo o futuro senão o que agora me projeto?"

Este é um livro em que o próprio narrador está inserido no enredo e em que vamos saltitando para trás e para a frente, conforme as suas ideias se vão desenlaçando ao contar-nos a sua história. História essa que engloba o período em que este homem (protagonista e narrador), Alberto Soares, se muda para Évora para dar aulas no liceu durante um ano letivo. Não sabemos exatamente qual a sua terra natal, embora acredite que se esteja a referir a alguma localidade perto da Serra da Estrela. Curiosamente, o próprio Vergílio Ferreira, nascido em Gouveia, chegou também ele a dar aulas em Évora.

Em termos do enredo, acompanhamos Alberto nesta mudança para uma cidade alentejana, cheia de planícies contrastantes com a montanha que vê a partir da janela de casa dos seus pais. Com esta mudança, Alberto traz consigo o luto recente do pai, que virá contrastar com a descrição que ele mesmo nos faz de Évora, uma cidade cheia de sol e de luz.

Em Évora, o círculo de relações de Alberto cinge-se essencialmente à família do Dr. Moura, antigo amigo do seu pai, nomeadamente às suas três filhas: Ana, Sofia e Cristina. Além destas pessoas, temos ainda o marido de Ana (Alfredo), uma amigo da família (Chico) e um aluno de Alberto (Carolino). A sensação que temos ao ler este livro é a de que Alberto veio abanar a dormência em que estas personagens se encontravam, trazendo para o seio das conversas as suas dúvidas e inquietações, tendo isso impacto no percurso de vida das mesmas.

Tais inquietações enquadram-se no existencialismo e na constante busca de si mesmo. Ao longo do livro, Alberto vai-nos expondo momentos da sua vida que o fizeram "ver", trazendo consigo longas reflexões acerca do que será a vida, do que é o "eu" e essencialmente acerca da inquietação de viver sabendo que inerente à vida está a morte. Talvez a resposta para isso (o que quer que "isso" seja) esteja muitas vezes naquilo que Cristina representa e no poder da arte. Também não sei.

"E, todavia, sei-o hoje, só há um problema para a vida, que é o de saber, saber a minha condição, e de restaurar a partir daí a plenitude e a autenticidade de tudo - da alegria, do heroísmo, da amargura, de cada gesto. Ah, ter a evidência ácida do milagre que sou, de como infinitamente é necessário que eu esteja vivo, e ver depois, em fulgor, que tenho de morrer."

Este é um livro que demora a assentar em nós. A partir de certa altura já não o consegui largar até terminar, mas confesso que em várias alturas me senti meio inquieta à procura de um sentido para aquilo que estava a ler. Talvez até tenha sido esse o propósito. Agora, depois da primeira leitura e de ter procurado o que outros olhos viram nele e na escrita do autor, sinto-me mais preparada para iniciar novamente a leitura. Não o irei fazer já, porque outros livros esticam os braços e gritam por mim desde a estante, mas este é de releitura obrigatória.

sábado, 21 de março de 2020

Hollywood, Charles Bukowski

Há algum tempo que tenho este livro na estante por ler. Decidi fazê-lo agora porque me apetecia uma leitura fácil, rápida e que não exigisse muito de mim. Já li "Pulp", então sabia que o Charles Bukowski era uma boa opção neste sentido.

"Hollywood" é claramente um livro com muitos aspetos autobiográficos. O cenário é o mundo de Hollywood, do cinema e de tudo o que envolve. Temos como protagonista o clássico deste autor, o Henry Chinaski, um escritor alcoólico e misantropo, que neste livro foi convidado para escrever um guião de um filme. Filme este que seria inspirado na sua própria vida, especialmente na componente boémica da mesma.

Em termos de narrativa é a isto que vamos assistindo, bem como a todos os percalços que vão acontecendo, nomeadamente as várias vezes em que o cancelamento do filme está eminente. 

Vamos seguindo o protagonista e a forma como vende a sua escrita para uma indústria que pouco ou nada lhe interessa, mas que lhe poderá pagar as contas e permitir-lhe a manutenção de um estilo de vida doentio, mas do qual não consegue nem pretende sair.

Confesso que não adorei este livro e que a certa altura já só queria "despachá-lo" e chegar ao fim para avançar para a leitura seguinte. Muitos dos diálogos são absolutamente vazios de sentido, como se tivessem sido escritos (e foram, de certeza) num estado de alteração de consciência, o que sei ser muito característico de Bukowski. Para mim, as partes mais fortes do livro dizem respeito aos monólogos do Henry Chinaski e às passagens em que este reflete sobre a importância da escrita verdadeira e honesta, da escrita que não se importa se está a ser politicamente correta ou se está a agradar a quem a lê. 

É um livro assim-assim. Ultimamente tenho preferido a poesia deste autor.

segunda-feira, 2 de março de 2020

A Queda dos Gigantes, Ken Follett

Ken Follett sempre foi um autor que me passou muito ao lado, até ser fortemente recomendado pela Maria Inês (@bookwanderlust). A forma apaixonante com que fala deste autor, nomeadamente desta trilogia, despertou-me imensa curiosidade, principalmente porque também adoro História. Este foi então o rastilho que me levou a ir atrás deste livro, que me acompanhou ao longo dos dois primeiros meses do ano.

"A Queda dos Gigantes" é o primeiro de três livros de ficção histórica que têm como pano de fundo o século XX. Nele começamos em 1914 e seguimos até 1924 ao longo de pouco mais de 900 páginas, passando assim pela 1ª Guerra Mundial e pela Revolução Russa. É um belo calhamaço, que nos leva algum tempo a degustar e por isso nos permite ir acompanhando de perto os vários personagens.

Dois aspetos que podem intimidar algumas pessoas são a quantidade de páginas e de personagens. No entanto, a escrita de um autor é de uma mestria que nos mantém sempre interessados, a querer saber o que vai acontecer a seguir. É claro que há questões históricas que nós já sabemos como se irão desenvolver, mas estas são-nos apresentadas através dos olhos das personagens, a quem nos ligamos e com quem nos preocupamos. Olhando para a lista que nos é mostrada no início do livro, são muitas, é verdade. Contudo, nunca me senti perdida no acompanhamento de cada linha narrativa. Temos cinco famílias: uma da classe trabalhadora do País de Gales, uma família aristocrática de Inglaterra, uma família com ligações ao Governo norte-americano, uma família aristocrática alemã e uma família da classe trabalhadora russa.

Sendo as personagens de diferentes estratos sociais e diferentes países, vamos acompanhando os acontecimentos históricos deste início de século nos vários pontos intervenientes. Isto é feito de uma forma muito fluída, natural e muito bem escrita. Para quem se interessa por História, nomeadamente a do século XX, tem neste livro um mimo. Dado o rigor histórico e o cuidado com que estes dados são tratados pelo autor, é-nos possível aprender e relembrar imensas coisas, sem que alguma vez se torne aborrecido. O facto de olharmos para estes momentos, guiados pelas personagens (umas reais, outras fictícias), acaba por, na minha opinião, torná-los mais palpáveis e reais. Deixam de ser só coisas que aprendemos nas aulas de História e passam a ter outra vida. 

Os temas presentes vão desde as dificuldades da classe trabalhadora do início do século XX, aos movimentos em defesa do direito ao voto das mulheres, à crescente tensão que colide na primeira grande guerra, à vida nas trincheiras e consequências da guerra, aos movimentos políticos, a espionagem e a ascensão do socialismo. Damos por nós também envolvidos em dramas familiares e relacionais, que trazem as emoções e um lado humano à narrativa histórica.

A certa altura já não conseguia largar esta história e agora, uns dias depois de ter terminado e de me ter afastado dela, já sinto saudades de algumas personagens. Irei certamente continuar para o segundo livro, "O Inverno do Mundo", que incide principalmente na 2ª Guerra Mundial. Recomendo muito a quem gostar de livros de ficção histórica.