quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Resenha: Admirável Mundo Novo, Aldous Huxley


"O princípio da produção em série aplicado, enfim, à biologia."

Admirável Mundo Novo é uma daquelas distopias assustadoras. Não tem vampiros, zombies, lobissomens, nem o apocalipse. Tem pessoas.  

Neste livro, Aldous Huxley cria um mundo totalmente dominado pela tecnologia e as suas aplicações nas áreas da biologia e da psicologia. Neste mundo, a religião consiste na veneração de Ford e do progresso científico. A concepção de família é completamente destruída e ridicularizada, sendo que, neste mundo, as crianças são geradas em provetas, passando por uma série de processos, como se estivessem numa fábrica. A sociedade está organizada em castas, informação essa que é, de certo modo, "adicionada" à criança, ao longo da sua criação. 

Todas as pessoas, desde crianças, são condicionadas, de maneira a serem felizes, independentemente do seu estatuto social ou do seu trabalho. Por exemplo, pessoas que estariam destinadas a trabalhar em locais com altas temperaturas, eram habituadas, desde cedo, a essas mesmas temperaturas, associando-as a coisas felizes. Além disso, todas as noites, os habitantes deste mundo eram sujeitos à hipnopedia, ouvindo repetições de frases que surgiam como regras ou mandamentos, relativamente a vários temas e consoante a sua casta. Um dos temas era o consumismo; as pessoas eram incentivadas a deitar fora o usado e a comprar mais e mais. 

"- E é aí que está o segredo da felicidade e da virtude: gostar daquilo que se é obrigado a fazer. Tal é o fim de todo o condicionamento: fazer as pessoas apreciar o destino social a que não podem escapar."

Tal como não existia a concepção de família, claramente, também não existia o casamento e a ideia de querer viver o resto das suas vidas com uma só pessoa, era algo aterrador para os habitantes deste mundo. Quanto maior a quantidade de parceiros sexuais, mais normal se era. Contudo, todos os cuidados contraceptivos eram tidos em conta, visto que ter um filho era algo absolutamente repugnante e desprezado socialmente. 

Os progressos na medicina eram tais que as pessoas nunca estavam doentes e envelheciam felizes, sem as típicas mudanças deste processo, a que estamos habituados. Existia o soma, um medicamento/droga distribuída pelo próprio Governo e que resolvia todos os problemas. Quem se senti-se mal, um pouco triste ou ansioso, recorria a este medicamente e ficava tudo bem novamente.

É neste mundo que vive e trabalha o psicólogo Bernard Marx (uma desilusão, este homem...), um alfa mais (casta mais elevada), que se sente incomodado com o mundo em que vive, especialmente com a superficialidade das relações. Isto, porque Bernard pretende criar com Lenina, uma relação que vá além dessa superficialidade e da ideia de que as relações entre homens e mulheres servem, puramente, para encontros sexuais casuais. É claro que Bernard é olhado de lado pelas outras pessoas, surgindo, até, teorias em relação a um potencial engano na composição química da sua proveta.

Eventualmente, surgem outros personagens marcantes, como Linda e o seu filho John, o "Selvagem". Linda é uma mulher que pertencia a este "admirável mundo novo", mas que engravidou e viu-se obrigada a sair. Quanto a John, este é-nos apresentado como sendo um rapaz absolutamente fascinado pelas obras de Shakespeare e que vai aparecer neste novo mundo como uma atracção, como se de um circo se trata-se.

Não quero adiantar muito mais sobre a história, porque é um livro muito rico. Notamos a evolução das várias personagens e percebemos o que está nas entrelinhas. Na minha opinião, só imaginar viver num mundo assim já é absolutamente assustador, especialmente por termos a consciencialização do perigo da obsessão pelo progresso.

Recomendo mesmo muito.

"O mundo é estável, agora. As pessoas são felizes, conseguem o que querem e nunca querem aquilo que não podem obter. Sentem-se bem, estão em segurança, nunca estão doentes, não receiam a morte, vivem numa serena ignorância da paixão e da velhice, não são sobrecarregadas com pais e mães, não têm mulheres, nem filhos, nem amantes, pelos quais poderiam sofrer emoções violentas, estão de tal modo condicionados que, praticamente, não podem deixar de se portar como devem."


terça-feira, 7 de outubro de 2014

Resenha: Ratos e Homens, John Steinbeck


Ratos e Homens, publicado em 1937, foi o primeiro contacto que tive com John Steinbeck e é uma das suas obras mais conhecidas.

Neste livro, conhecemos dois homens amigos, George e Lennie, que viajam constantemente em busca de trabalho. George é-nos apresentado como sendo "quem lidera, é aquele que toma as decisões e protege o seu amigo". Já Lennie é descrito como um "gigante simpático, dotado de um físico excepcional, mas mentalmente retardado", uma "criança grande" que confia plenamente no amigo.

Apesar de sonharem com uma vida melhor e de quererem trabalhar, para um dia terem a sua propriedade, sem terem que obedecer a ninguém; nunca conseguem ficar muito tempo no mesmo emprego. Isto, porque Lennie, mesmo sem essa intenção, arranja sempre algum problema.

"E tudo isso será nosso, e ninguém pode pôr-nos fora. E quando não gostarmos de alguém, pode dizer-lhe: «Vá-se embora daqui.» E ele tem que ir, que diabo! E se um amigo chegar, teremos uma cama a mais e dizemos-lhe: «Porque não passa a noite aqui?» E ele fica na nossa casa. Vamos ter um cão perdigueiro e um par de gatos, mas tu tens de cuidar dos gatos, para eles não matarem os coelhinhos."

Estando então determinado a manter este trabalho e a lutar pelo seu sonho, George vai olhando por Lennie, tentando evitar que este, na sua ingenuidade, cometa algum erro que comprometa os seus empregos. Isto porque George conhece a força de Lennie e sabe que, mesmo sem ele querer, pode vir a magoar gravemente alguém.

Obviamente que não vou contar como termina a história, mas digo já que o final do livro é bastante intenso e que corresponde a uma demonstração do que é a verdadeira amizade.

É um livro curto, com menos de cem páginas, mas muito bom. Adorei a ideia de continuar a sonhar com o que queremos, até porque, na minha opinião, se não for assim, nunca vamos lutar por isso mesmo. Além disso, é uma história que conta a bela amizade e lealdade entre estes dois amigos que acabam por se complementar um ao outro. Ah... e aquele final!