domingo, 27 de janeiro de 2019

Sobre o Clássico-Papão e a Autoestima do Leitor

Hoje apetece-me falar sobre os clássicos. São eles que dominam a minha lista de livros desejados e é para eles que a minha vontade literária se tende a dirigir. Para mim é mais fácil escolher um livro clássico para ler, do que uma obra contemporânea, por várias razões, nomeadamente por sentir que é uma escolha mais segura. Isto porque, para um livro se tornar num clássico, terá sobrevivido o teste do tempo e, em princípio, será gostado e recomendado por muitas pessoas. Apesar disto, há quem veja estes livros como autênticos bichos-papão, então hoje decidi transpor para o blog as conversas que tenho comigo mesma (e com as minhas gatas) acerca deste assunto.

Embora estes livros continuem a ser muito lidos ao longo dos anos, há pessoas que se sentem muito hesitantes em relação a eles.

Por um lado, provavelmente porque alguns desses livros são leituras obrigatórias durante os anos de escola e ninguém gosta de se sentir obrigado a fazer alguma coisa, não é? São livros muitas vezes associados à vertente académica, já que são obras muito estudadas e para quem lê apenas por prazer, isto pode fazer com que vejam esses livros como um maior investimento cognitivo, como algo que vai dar muito trabalho a ler.
Associado a isto vem o medo de não se gostar de um livro tão aclamado ou (PIOR) de não se perceber o que se leu! Isto tem muito a ver com a nossa autoestima enquanto leitores. Somos todos pessoas diferentes e é natural que tenhamos gostos diferentes, por isso não temos que gostar todos dos mesmos livros. Não somos piores leitores se não gostarmos de um clássico do qual (achamos que) só ouvimos falar bem. É perfeitamente legítimo.
E quanto à compreensão em relação ao que lemos... Vá lá, ninguém compreende tudo a 100%! Até porque os livros não têm esse propósito. Cada um lê e interpreta as coisas à sua maneira e, embora alguns aspetos possam ser concordantes entre várias pessoas, nomeadamente relacionados com o enredo, as questões mais subtis são lidas por cada um à sua maneira e consoante a sua perspetiva. Na verdade, estamos todos a olhar para a mesma coisa com lentes diferentes e a partilha destas diferentes perspetivas só torna a nossa leitura mais rica. (Daí eu gostar de falar sobre livros e de ver outras pessoas fazerem o mesmo!)

Outra questão tem a ver com algum preconceito criado à volta destas obras. Temos clássicos de várias épocas, uns mais recentes e outros mais antigos, mas ainda assim acho que muitas pessoas os associam a histórias antiquadas, aborrecidas, cheias de clichés e com uma linguagem hermética e de difícil compreensão. É mentira! Ok, depende. Há imensos livros considerados clássicos e alguns terão uma capacidade maior de vos surpreender e outros não. Uns terão uma linguagem mais fechada e com mais vocabulário que desconhecemos, do que outros. Temos também que reconhecer que depois destas obras, já muita tinta correu e isso pode fazer com que achemos alguns aspetos das histórias menos "inovadores". Ainda assim, desde que nesses livros existam pessoas, muitos dos seus temas são universais e continuam a fazer bastante sentido nos dias de hoje, já que continuamos humanos e há coisas que nunca mudam. 

Temos que rever a nossa autoestima enquanto leitores. Não precisamos de nos cobrar tanto. Não temos que ler por obrigação, mas sim porque queremos e temos curiosidade em relação ao mundo que está dentro daquelas páginas. Tal como podemos gostar ou não de um livro contemporâneo, também podemos gostar ou não de um livro clássico. Na verdade, não se nasce clássico e estas obras que hoje assim são consideradas, em tempos foram literatura contemporânea! E muita da graça de os ler é mesmo essa: viajar no tempo e no espaço, através dos olhos de quem lá esteve. É claro que sabe bem poder dizer que lemos este ou aquele livro, mas para mim isto transcende essa vaidade literária. Há uma certa magia, quando temos um acesso genuíno a pessoas, locais e épocas onde na verdade nunca poderemos estar (não estamos em Outlander, pessoal!).

Há quem faça uma espécie de segregação entre leitores de grandes clássicos e de livros daquela categoria gira chamada "livros para intelectuais" e leitores de obras contemporâneas, young adult e livros "mais comerciais". Acho isso uma treta. Sou apologista de lermos aquilo de que gostamos. Ainda assim, é claro que enriquecemos e crescemos enquanto pessoas e leitores, se procurarmos ir além da nossa zona de conforto. Na verdade, descobri os clássicos através de livros de fantasia para jovens adultos! O primeiro clássico (e o meu preferido até hoje) é O Monte dos Vendavais (Wuthering Heights), da Emily Brontë, que li por recomendação de uma das protagonistas de Crepúsculo. Depois disso veio a Jane Austen, com Orgulho e Preconceito, e o meu coração adolescente transitou de uma crush pelo Edward Cullen para uma pelo Mr. Darcy... Parece-me bem! Entretanto, tenho vindo a descobrir mais acerca de mim enquanto leitora e muito disso deve-se a alguns dos clássicos que tenho lido.

Resumo desta história: é só um livro. Não deixem que o rótulo de "clássico" vos intimide e vos faça pensar que vão ler algo aborrecido. É pouco provável... Se não, esse livro não era tão gostado por tantas pessoas! Mas se não gostarem, também está tudo bem.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Rebecca, Daphne du Maurier

Já tinha pensado em ler este livro da Daphne du Maurier quando foi a escolha dos meses Setembro/Outubro para o clube do livro da Emma Watson, o Our Shared Shelf. No entanto, foi através do projeto Uma Dúzia de Livros, da Rita da Nova, que decidi entrar nesta leitura.
Sabia apenas que era um livro muito bem falado, o mais conhecido da autora. Quanto ao enredo, não quis saber muita coisa e recomendo que façam o mesmo, pelo que evitarei entrar em grandes detalhes.
Rebecca, conta a história de uma protagonista, a nossa narradora, uma jovem que trabalha como dama de companhia de uma senhora mais velha, Mrs. Van Hopper. O seu nome nunca nos é revelado, porque apesar de ser a protagonista e de conhecermos a história através dos seus olhos, o estrelato é-lhe roubado (ou nunca lhe é dado) desde o início. 
Não se revendo na maneira de ser de Mrs. Van Hopper (mesquinha, metediça, "aquele-tipo-de-pessoas-que-lê-as-fofocas-sobre-o-crème-de-la-crème-da-sociedade-e-já-se-acha-amiga-de-toda-a-gente") e tendo-se apaixonado por um homem que acaba por conhecer, decide aceitar a sua proposta, casando-se com ele e abandonando o seu trabalho.
Depois de um casamento discreto e de uma lua de mel pela Europa, este homem, Max de Winter, leva a nossa protagonista para Manderley, a sua propriedade (uma casa enorme junto à praia, rodeada de grandes jardins). Logo desde o primeiro capítulo, vamos percebendo que Manderley é estranha, pela forma sombria como nos vai sendo descrita, parecendo até ter uma vida própria.

Ora, tendo ficado viúvo há menos de um ano, muitos olham com desdém para este recém casamento de Max de Winter, dada a forma como ficara abalado após a morte da sua esposa, Rebecca. Isto é sentido pela nossa protagonista como vindo de todas as partes, visto que criados, vizinhos e familiares olham para ela com desconfiança e incredulidade. Contrariamente a Rebecca, a nossa protagonista é tímida, pouco assertiva e pouco opinativa, o que leva a que oiça constantemente a frase "É muito diferente da Rebecca", essa mulher cuja imagem transmitida é de alguém imponente, poderosa, linda e encantadora.

Ao longo da leitura vamos percebendo cada vez mais que, mesmo depois de morta, Rebecca continua a exercer o seu poder naquela casa. Isto é especialmente transmitido através da personagem (HORRENDA, ASSUSTADORA) de Mrs. Danvers, a governanta da casa e grande confidente da ex Mrs. de Winter. A certa altura, a protagonista refere sentir-se em relação a esta personagem como se estivessem a jogar a um jogo equivalente ao nosso Macaquinho do Chinês e não podia ter utilizado uma comparação melhor! Esta mulher é a sombra em pessoa! Ela vai estar sempre num canto ou numa janela à espreita, com aquela cara ossuda e o vestido preto. A morte de Rebecca é um tema tabu, surgindo sempre rodeado de grande tensão por parte de todos, excepto de Mrs. Danvers. É, claramente, quem ainda está mais abalada pela sua morte, rejeitando a chegada da nova Mrs. de Winter. É, assim, através dela que conhecemos muito de quem foi Rebecca, já que ela está sempre pronta a mostrar à nossa protagonista que ela era a mulher mais bonita, adorada, competente (e inigualável). 

A presença de Rebecca é constante e vai aumentando ao longo do livro, como uma nuvem pesada e sufocante, que vai obviamente influenciando a nossa protagonista. Tudo isto é conseguido de uma forma brilhante através da escrita da Daphne du Maurier, que contrói aqui um ambiente de grande suspense. A forma como certas passagens estão escritas cria imagens realmente arrepiantes, como esta logo no início:

"O restolhar das folhas parece o andar vigoroso de uma mulher em vestido de noite e quando estremecem de repente e caem, espalhando-se pelo chão, assemelham-se ao toque-toque de passos ligeiros femininos e a marca na gravilha a de um sapato de salto alto de cetim."

Este foi um dos aspetos de que mais gostei ao longo da leitura, do ambiente construído, onde a tensão é palpável e parece realmente que estamos com a protagonista a jogar ao Macaquinho do Chinês e que a qualquer momento vamos ter alguém parado mesmo atrás de nós (provavelmente a velha da Mrs. Danvers!).
As personagens estão muito bem construídas, acreditamos nelas e criamos empatia, especialmente com a nossa protagonista. Não sei o que esperava desta história, mas surpreendeu-me de muitas maneiras. As reviravoltas foram fantásticas, daquelas que me faziam largar o livro de repente e me deixavam literalmente boquiaberta. Então mais próximo do final... Enfim, a certa altura já não consegui parar de ler até terminar!

Este livro foi, sem dúvida, uma excelente maneira de começar o meu ano de leituras e deixou-me cheia de vontade de conhecer outros trabalhos da autora. Agora sigo para o filme, uma adaptação realizada pelo grande Alfred Hitchcock, como só poderia ser. Esta história não combina tão bem com ninguém como com ele e acredito que o filme esteja também genial. Logo venho aqui contar o que achei!

sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Carta ao Pai, Franz Kafka


Finalmente, chegou a altura de vos falar sobre o Carta ao Pai, do F. Kafka. Devo começar por dizer que me senti uma intrusa por estar a ler correspondência alheia, que nem era suposto ter sido publicada e que, possivelmente, só o foi, porque o autor já cá não estava para o impedir. Mas pronto, ainda bem que está disponível e que decidi pegar-lhe numa das minhas últimas idas à biblioteca.

A carta começa com o Kafka a revelar que sempre teve medo do pai, embora não lhe consiga explicar o porquê. Eventualmente, vamos percebendo que este pai é tido como uma figura muito autoritária e tirana, um crítico, alguém que foi fazendo com que este filho se sentisse sem confiança nele próprio, duvidando até dos seus sucessos e conquistas. Diz que o pai nunca teria tido qualquer razão para o acusar de algum mau comportamento, acusando-o apenas de afastamento, frieza e ingratidão.

"(...) mas esperavas pelo menos alguma amabilidade da nossa parte, um sinal da nossa compaixão; em vez disso sempre me escondi de ti, no meu quarto, com os meus livros, com os meus amigos malucos, com ideias exageradas." (p. 8)

Algo impossível de ignorar é a forma como o Kafka se vai dirigindo ao pai ao longo da carta. É tão claro o peso da culpa. Além de se referir a ele como um tirano, está constantemente a sublinhar que, com aquilo que vai dizendo, não está a querer culpar o pai de nada, embora certas vezes seja clara a maldade nos comportamentos ou comentários do mesmo.

Além disto, vai fazendo diversas comparações entre si e o pai, dizendo como sempre se sentiu inferior em diversos aspetos, como sempre sentiu que o pai gostaria que ele tivesse sido de outra forma, o que era visível, segundo ele, na forma como o pai valorizava apenas aquilo que o filho fazia, que fosse ao encontro dos seus interesses. Isto é mencionado em relação a uma série de coisas e também no que toca às amizades e relações amorosas. O pai era bastante crítico, estando constantemente a desvalorizar os seus amigos, como se o filho nem para escolher amizades fosse bom.

"A tua simples presença física oprimia-me. Lembro-me, por exemplo, de como por vezes nos despíamos os dois no vestiário. Eu era magro, fraco, franzino e tu forte, grande, encorpado. Ainda lá dentro já me sentia miserável. Não só à tua frente, mas perante o mundo inteiro, porque tu eras para mim a medida de todas as coisas." (p. 16)

São relatados vários episódios em que o Kafka se sentiu negligenciado, humilhado, inferiorizado e maltratado de alguma forma por parte do pai. Fala da sua baixa autoestima e da falta de confiança que tinha no que fazia, referindo que bastava um comentário depreciativo do pai, para que ele sentisse que o fracasso era inevitável ("provar a minha insignificância"). Neste contexto, faz também uma referência à maneira como o pai sempre desacreditou a sua escrita e sobre como escrever lhe permitiu lidar com esta relação.

Gostei muito de ler este livro. Teria dado uma boa aula no meu mestrado ou uma boa sessão de supervisão! Todo o trabalho de autoanálise aqui feito pelo Kafka é extraordinário. É claro que o que lemos diz respeito apenas à sua perspetiva em relação aos acontecimentos, mas na verdade muitas das vezes é isso que importa. É a forma como as coisas são lembradas, como ficaram marcadas, que dita muito daquilo que se sente. Aliás, durante esta leitura, estive o tempo todo a pensar no quão útil seria para muitas pessoas escreverem algo deste género.

Enfim, é um livro que recomendo muito a qualquer pessoa, principalmente a quem tiver curiosidade em relação à pessoa por detrás da obra. Agora fiquei ainda com mais vontade de continuar a explorar os seus outros livros publicados.

sábado, 5 de janeiro de 2019

Filmes: 2018

Durante o ano de 2018, tomei a decisão de me esforçar para ver mais filmes. Adoro cinema, mas sinto que no mundo acelerado em que vivemos, muitas vezes optamos por ver algo de curta duração (as nossas adoradas séries de 20 minutos!). Por isso, parece que ver um filme é um investimento maior, o que muitas vezes é uma ideia errada, já que acabamos a ver episódios suficientes para perfazer a duração de um filme. Como resultado disto e do ano tão cheio que tive, durante a primeira metade do ano, vi apenas 4 filmes!

Eventualmente decidi que também é preciso parar e que tinha que acrescentar na minha agenda um dia para isso mesmo. Até aí apenas definia dias e horas para dar conta de tudo o que tinha para fazer, mas decidi dar mais importância a mim própria e aos meus momentos para fazer o que bem me apetecesse, sem me sentir culpada. Foi nesse contexto que comecei também a ver um filme por semana e acabei o ano com os 36 filmes que encontram lá em cima onde diz Filmes Vistos.
Odeio ter que escolher preferidos, mas gostei particularmente de alguns dos filmes que vi este ano. Se quiserem algumas dicas de filmes para verem, tomem 12 (mais ou menos) recomendações!


Este foi um ano em que vi pela primeira vez alguns clássicos de terror. Apesar de já terem saído há muitos anos, na minha opinião estes filmes venceram o teste do tempo e continuam excelentes. Estou a referir-me ao Halloween (1978) e ao A Nighmare on Elm Street (1984). Foram dois filmes que vi por curiosidade, mas com a ideia que iria ver algo que não teria grande impacto em mim, por esperar efeitos terríveis e histórias cheias de clichés. Adorei os dois e quero continuar este ano a reduzir a minha lista de clássicos por ver!

Há alguns realizadores de cujo trabalho gosto muito e normalmente sei que a probabilidade de gostar de um filme deles é muito elevada, então às vezes vejo o filme sem saber sequer do que se trata. Em 2017 conheci melhor o trabalho do Alfred Hitchcock e apaixonei-me, então no ano seguinte decidi rever o Vertigo (1958), que é dos meus filmes preferidos dele, e vi pela primeira vez o Rope (1948). Gostei também deste último, embora não esteja no mesmo nível de outros que vi e recomendo muito, como o Birds (1963) e o Rear Window (1954). É um realizador que quero muito continuar a explorar! 
Além deste, vi também mais dois filmes do Wes Anderson, The Darjeeling Limited (2007) e o The Life Aquatic with Steve Zissou (2004). Não há que enganar, os filmes deste realizador têm sempre histórias originais, com personagens muito peculiares, mas o que a mim mais me cativa são as obras de arte que ele cria. O perfecionismo, o cuidado com a escolha das cores, dos locais, das roupas, do elenco e toda a atenção dada a cada detalhe, fazem destes filmes autênticas obras de arte, experiências visuais muito prazerosas para quem assiste.

Destaco também o novo filme Fantastic Beasts: The Crimes of Grindelwald (2018), pelo regresso ao universo do Harry Potter. Embora algumas pessoas não estejam a adorar esta nova série, eu estou a gostar. Isto não é a mesma história, só se passa no mesmo universo e, consequentemente, algumas coisas acabam por se cruzar. Acabei por rever também muitos dos filmes do Harry Potter neste ano que passou (como em todos, não é, potterheads?!) e planeio reler os livros em 2019.

Este ano, por querer trazer para o blog algumas recomendações de filmes de Natal, acabei por ver imensos, embora continue com uma lista enorme por ver (ficam para o ano!). Falei de alguns aqui, mas destaco o It's a Wonderful Life (1946), que foi o meu preferido. Sem dúvida que é um excelente filme, cheio do verdadeiro espírito natalício e que vou querer ver mais vezes. Outro que também adorei e que também se tornará num filme a ver todos os anos é o A Christmas Carol (2009).

Além deste filmes, também gostei muito do Goodbye Christopher Robin (2017), por poder conhecer a história do homem por detrás de um dos maiores clássicos infantis; do Stand by Me (1986), pela história sobre o companheirismo e cumplicidade da amizade na infância; e do Lady Bird (2017), pela história simples, verdadeira e muito relatable acerca das ambições e dos sonhos na adolescência.