terça-feira, 31 de março de 2020

Aparição, Vergílio Ferreira

"Sento-me aqui nesta sala vazia e relembro." É assim que começa Aparição, livro escrito por Vergílio Ferreira e publicado em 1959. Livro cuja leitura eu preferia tê-la feito de forma mais pausada, respirada e partilhada. É um livro tão denso, que qualquer coisa que eu tente escrever sobre a minha experiência com ele vai limitar-se a isso mesmo, ao meu encontro com estas palavras.

Este clássico da literatura portuguesa é circular no sentido em que da mesma forma que começa, assim termina, ou seja, com o narrador sozinho numa sala vazia a lembrar o passado e a escrever-nos o que aconteceu. E a isto associo a ideia que o autor traz mais perto do final do livro, relativamente ao tempo e à forma como o passado, presente e futuro se ligam àquilo que somos.

"Mas o tempo não existe senão no instante em que estou. Que me é todo o passado senão o que posso ver nele do que me sinto, me sonho, me alegro ou me sucumbo? Que me é todo o futuro senão o que agora me projeto?"

Este é um livro em que o próprio narrador está inserido no enredo e em que vamos saltitando para trás e para a frente, conforme as suas ideias se vão desenlaçando ao contar-nos a sua história. História essa que engloba o período em que este homem (protagonista e narrador), Alberto Soares, se muda para Évora para dar aulas no liceu durante um ano letivo. Não sabemos exatamente qual a sua terra natal, embora acredite que se esteja a referir a alguma localidade perto da Serra da Estrela. Curiosamente, o próprio Vergílio Ferreira, nascido em Gouveia, chegou também ele a dar aulas em Évora.

Em termos do enredo, acompanhamos Alberto nesta mudança para uma cidade alentejana, cheia de planícies contrastantes com a montanha que vê a partir da janela de casa dos seus pais. Com esta mudança, Alberto traz consigo o luto recente do pai, que virá contrastar com a descrição que ele mesmo nos faz de Évora, uma cidade cheia de sol e de luz.

Em Évora, o círculo de relações de Alberto cinge-se essencialmente à família do Dr. Moura, antigo amigo do seu pai, nomeadamente às suas três filhas: Ana, Sofia e Cristina. Além destas pessoas, temos ainda o marido de Ana (Alfredo), uma amigo da família (Chico) e um aluno de Alberto (Carolino). A sensação que temos ao ler este livro é a de que Alberto veio abanar a dormência em que estas personagens se encontravam, trazendo para o seio das conversas as suas dúvidas e inquietações, tendo isso impacto no percurso de vida das mesmas.

Tais inquietações enquadram-se no existencialismo e na constante busca de si mesmo. Ao longo do livro, Alberto vai-nos expondo momentos da sua vida que o fizeram "ver", trazendo consigo longas reflexões acerca do que será a vida, do que é o "eu" e essencialmente acerca da inquietação de viver sabendo que inerente à vida está a morte. Talvez a resposta para isso (o que quer que "isso" seja) esteja muitas vezes naquilo que Cristina representa e no poder da arte. Também não sei.

"E, todavia, sei-o hoje, só há um problema para a vida, que é o de saber, saber a minha condição, e de restaurar a partir daí a plenitude e a autenticidade de tudo - da alegria, do heroísmo, da amargura, de cada gesto. Ah, ter a evidência ácida do milagre que sou, de como infinitamente é necessário que eu esteja vivo, e ver depois, em fulgor, que tenho de morrer."

Este é um livro que demora a assentar em nós. A partir de certa altura já não o consegui largar até terminar, mas confesso que em várias alturas me senti meio inquieta à procura de um sentido para aquilo que estava a ler. Talvez até tenha sido esse o propósito. Agora, depois da primeira leitura e de ter procurado o que outros olhos viram nele e na escrita do autor, sinto-me mais preparada para iniciar novamente a leitura. Não o irei fazer já, porque outros livros esticam os braços e gritam por mim desde a estante, mas este é de releitura obrigatória.

sábado, 21 de março de 2020

Hollywood, Charles Bukowski

Há algum tempo que tenho este livro na estante por ler. Decidi fazê-lo agora porque me apetecia uma leitura fácil, rápida e que não exigisse muito de mim. Já li "Pulp", então sabia que o Charles Bukowski era uma boa opção neste sentido.

"Hollywood" é claramente um livro com muitos aspetos autobiográficos. O cenário é o mundo de Hollywood, do cinema e de tudo o que envolve. Temos como protagonista o clássico deste autor, o Henry Chinaski, um escritor alcoólico e misantropo, que neste livro foi convidado para escrever um guião de um filme. Filme este que seria inspirado na sua própria vida, especialmente na componente boémica da mesma.

Em termos de narrativa é a isto que vamos assistindo, bem como a todos os percalços que vão acontecendo, nomeadamente as várias vezes em que o cancelamento do filme está eminente. 

Vamos seguindo o protagonista e a forma como vende a sua escrita para uma indústria que pouco ou nada lhe interessa, mas que lhe poderá pagar as contas e permitir-lhe a manutenção de um estilo de vida doentio, mas do qual não consegue nem pretende sair.

Confesso que não adorei este livro e que a certa altura já só queria "despachá-lo" e chegar ao fim para avançar para a leitura seguinte. Muitos dos diálogos são absolutamente vazios de sentido, como se tivessem sido escritos (e foram, de certeza) num estado de alteração de consciência, o que sei ser muito característico de Bukowski. Para mim, as partes mais fortes do livro dizem respeito aos monólogos do Henry Chinaski e às passagens em que este reflete sobre a importância da escrita verdadeira e honesta, da escrita que não se importa se está a ser politicamente correta ou se está a agradar a quem a lê. 

É um livro assim-assim. Ultimamente tenho preferido a poesia deste autor.

segunda-feira, 2 de março de 2020

A Queda dos Gigantes, Ken Follett

Ken Follett sempre foi um autor que me passou muito ao lado, até ser fortemente recomendado pela Maria Inês (@bookwanderlust). A forma apaixonante com que fala deste autor, nomeadamente desta trilogia, despertou-me imensa curiosidade, principalmente porque também adoro História. Este foi então o rastilho que me levou a ir atrás deste livro, que me acompanhou ao longo dos dois primeiros meses do ano.

"A Queda dos Gigantes" é o primeiro de três livros de ficção histórica que têm como pano de fundo o século XX. Nele começamos em 1914 e seguimos até 1924 ao longo de pouco mais de 900 páginas, passando assim pela 1ª Guerra Mundial e pela Revolução Russa. É um belo calhamaço, que nos leva algum tempo a degustar e por isso nos permite ir acompanhando de perto os vários personagens.

Dois aspetos que podem intimidar algumas pessoas são a quantidade de páginas e de personagens. No entanto, a escrita de um autor é de uma mestria que nos mantém sempre interessados, a querer saber o que vai acontecer a seguir. É claro que há questões históricas que nós já sabemos como se irão desenvolver, mas estas são-nos apresentadas através dos olhos das personagens, a quem nos ligamos e com quem nos preocupamos. Olhando para a lista que nos é mostrada no início do livro, são muitas, é verdade. Contudo, nunca me senti perdida no acompanhamento de cada linha narrativa. Temos cinco famílias: uma da classe trabalhadora do País de Gales, uma família aristocrática de Inglaterra, uma família com ligações ao Governo norte-americano, uma família aristocrática alemã e uma família da classe trabalhadora russa.

Sendo as personagens de diferentes estratos sociais e diferentes países, vamos acompanhando os acontecimentos históricos deste início de século nos vários pontos intervenientes. Isto é feito de uma forma muito fluída, natural e muito bem escrita. Para quem se interessa por História, nomeadamente a do século XX, tem neste livro um mimo. Dado o rigor histórico e o cuidado com que estes dados são tratados pelo autor, é-nos possível aprender e relembrar imensas coisas, sem que alguma vez se torne aborrecido. O facto de olharmos para estes momentos, guiados pelas personagens (umas reais, outras fictícias), acaba por, na minha opinião, torná-los mais palpáveis e reais. Deixam de ser só coisas que aprendemos nas aulas de História e passam a ter outra vida. 

Os temas presentes vão desde as dificuldades da classe trabalhadora do início do século XX, aos movimentos em defesa do direito ao voto das mulheres, à crescente tensão que colide na primeira grande guerra, à vida nas trincheiras e consequências da guerra, aos movimentos políticos, a espionagem e a ascensão do socialismo. Damos por nós também envolvidos em dramas familiares e relacionais, que trazem as emoções e um lado humano à narrativa histórica.

A certa altura já não conseguia largar esta história e agora, uns dias depois de ter terminado e de me ter afastado dela, já sinto saudades de algumas personagens. Irei certamente continuar para o segundo livro, "O Inverno do Mundo", que incide principalmente na 2ª Guerra Mundial. Recomendo muito a quem gostar de livros de ficção histórica.