Desde "Os Maias" que tinha saudades da escrita do Eça de Queiroz e "O Primo Basílio" era o livro que tinha aqui por ler na estante há uns anos. Foi-me recomendado como um "livro engraçado" e agora, depois de lido, posso dizer que concordo, até porque o sentido de humor é um dos aspetos que sempre associei à escrita do Eça. Isto especialmente no sentido em que ele muitas vezes ridiculariza as personagens, algo semelhante, na minha opinião, à escrita do meu querido Charles Dickens.
Resumindo o enredo desta história, nela começamos por entrar na casa deste casal burguês lisboeta, a Luísa e o Jorge. A leviandade das conversas entre eles, os problemas que os atormentam, tudo tão típico daquela sociedade da altura, levaram-me involuntariamente a ler as primeiras páginas do livro com aquela voz meio nasalada e muito chic. Acredito que o Eça tenha feito de propósito!
Com o desenvolver do livro fui-me ligando mais a estas personagens, embora a que me tenha despertado mais interesse tenha sido a Juliana, uma das criadas da casa. Quanto ao casal, este tem uma vida normal dentro daquilo que é esperado deles e da sua classe social. Ele tem uns negócios, ela fica em casa o dia todo, recebe pessoas, falam da vida dos outros e daquilo que no momento está a ser mais falado na moda e nas artes. Nestas conversas vamos notando a valorização cega e sem espírito crítico de algumas tendências que vêm do exterior, o que é também perceptível através do constante uso de estrangeirismos. É tudo muito chic.
Esta vida calma e pacata é virada do avesso quando Jorge precisa de se ausentar por questões profissionais, partindo para o Alentejo por uns tempos e deixando Luísa sozinha com o tédio dos dias. É nesta altura que volta a aparecer na sua vida uma pessoa que virá agitar as águas e trazer-lhe muitas noites mal dormidas. Bem aconchegadas, mas mal dormidas.
Este é um livro que explora alguns temas que já estamos habituados a ver associados à sociedade burguesa portuguesa do século XIX. Eça é conhecido pela crítica social que faz nas suas obras e neste livro essa crítica é especialmente aguçada. Aborda temas como a falta de espírito crítico, o adultério, a mesquinhez, a inveja, a disparidade entre classes sociais (mas que sendo todos seres humanos, têm também aspetos em comum), a vida de aparências, a falsa moralidade e a hipocrisia.
Há personagens desprezíveis neste livro - a maioria, diria eu. No entanto, despertam-nos interesse e motivam muito a vontade de continuar a leitura. Houve uma parte do livro em que o meu ritmo abrandou um pouco, mas rapidamente a ultrapassei e, fora esse momento, foi um livro que li num ápice. Até porque a certa altura estava desejosa de saber como é que a Luísa ia desatar aquele nó. E Eça resolveu muito bem esta história e terminou-a de uma forma que me agradou.
A minha edição tem no final uma preciosa carta escrita pelo Eça a Teófilo Braga, em que este se mostra surpreendido pelo interesse do amigo e escritor por esta obra e em que fala um pouco de como tentou fazer um retrato de um conjunto de pessoas tão típicas, que qualquer um deles conheceria alguém semelhante. É muito engraçado ver o autor falar da própria obra. Passei um bom bocado com este livro e recomendo muito a quem gosta de Eça.
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