terça-feira, 12 de novembro de 2019

O Retorno, Dulce Maria Cardoso

Nem sempre é assim, mas vou começar já por dizer que o meu objetivo com este texto é convencer quem se cruzar com ele, de que quer ler este livro. Porque este precisa mesmo de ser lido.

São muitas as recomendações de livros que vejo diariamente e, não as seguindo a todas, fico muito feliz por ter decidido seguir a da Silvéria. Nunca tinha lido Dulce Maria Cardoso e pouco sabia em relação ao período da descolonização e dos retornados. Talvez isto nem seja por acaso... Afinal não passaram assim tantos anos e acredito que para muitos seja ainda uma ferida aberta, onde ainda não se consegue mexer muito. Foi a vontade de compreender melhor esta realidade, até porque não tenho testemunhos de pessoas próximas de mim, juntamente com a vontade de conhecer mais escritoras portuguesas, que me levou a avançar com esta leitura. 

E foi uma viagem sem retorno, porque é impossível ficar indiferente a esta história. A escrita da Dulce Maria Cardoso é deliciosa (das que mais gostei nestes últimos tempos, honestamente) e, juntamente com a narração da história por parte do Rui, prenderam-me desde as primeiras páginas.

Lemos o primeiro capítulo e o cenário é-nos apresentado. Estamos em 1975 e percebemos claramente que se vivem os últimos dias em casa, em Luanda. Os nossos olhos são os do Rui, um adolescente de 15 anos que vive com os pais e a irmã na sua casa de sempre, que deixou de ser para sempre. Logo neste primeiro capítulo, ficamos com a sensação de nó na garganta assim que nos tentamos colocar no lugar destas personagens e tentamos imaginar como se estariam a sentir. Provavelmente, uma mistura de tristeza, revolta, medo, frustração, desamparo e sabe-se lá que mais... E sentimos tudo de uma forma muito real, não só porque nos conseguimos ligar muito bem ao Rui (de quem acho que vou ter saudades), mas porque assim foi e porque a própria Dulce passou por tudo isto.

"E a manhã voltou a ser a nossa última manhã aqui, os quintais ficaram vazios, os fogareiros cheios de chuva antiga, os pneus quietos nas árvores como se fossem olhos parados no ar a fazerem-nos perguntas. A nossa última manhã. Tão silenciosa apesar dos tiros."

Acompanhamos os últimos dias e, com o coração apertado, vemos com o Rui a casa a ficar cada vez mais pequenina no espelho retrovisor. Seguem-se os longos meses em que um quarto e uma varanda de hotel se tornam forçosamente numa casa e em que esta família (e outras) procura adaptar-se à mudança das suas vidas. Os sonhos, os planos, os medos, as perdas, o estigma, o sentimento de inadequação, de  rejeição, revolta e de não pertencer a um lugar. 

Este livro lembrou-me muito do porquê de gostar de ler. É o querer saber mais, querer conhecer histórias de vida e querer calçar os sapatos do outro e sentir algo minimamente semelhante àquilo que ele sente; compreender melhor realidades diferentes da minha. "O Retorno" deu-me isto tudo, juntamente com a possibilidade de descobrir a escrita maravilhosa da Dulce, que preciso agora de explorar melhor. Acho mesmo que este livro se vai tornar num clássico da literatura portuguesa, até porque retrata um período tão importante da nossa História. É uma história que precisa de ser lida.  Aproveitem que vem aí o Natal e ofereçam isto a toda a gente! 

Gostava de ler mais livros cuja narrativa se passe nesta época e por isso agradecia muito a quem me desse sugestões!