quarta-feira, 31 de julho de 2019

Mrs. Dalloway, Virginia Woolf

Venho, finalmente, registar por aqui as minhas ideias em relação ao Mrs. Dalloway, da Virginia Woolf. Li este livro há uns anos, mas confesso que na altura tinha pouca disponibilidade mental para tal, o que fez com que desejasse relê-lo assim que o acabei (e continuo a desejar fazê-lo, mas por razões um bocadinho diferentes).
E isto é algo que começava por dizer, que para ler este livro e poder aproveitá-lo como ele merece, temos que estar disponíveis a deixar que ele converse connosco. E ninguém gosta de estar a falar com alguém e sentir que não está a ter atenção, não é? Porque este livro não pára. É fluído como um rio, graças ao fluxo de consciência em que a Virginia Woolf é mestre. A sensação que este livro me foi sempre transmitindo é de uma grande melancolia, dada a sua densidade psicológica, mas mais importante que a narrativa em si, é a forma como ela é contada. Vamos saltando de um ponto de vista em que nos sentimos observadores, como se estivéssemos dentro do livro a ver as personagens; para pontos de vista em que estamos dentro da mente de cada uma e assistimos à forma como a nossa própria mente funciona. Saltamos constantemente entre mentes, espaços e tempos, através de sensações, memórias e associações. Tal como nós próprios por vezes estamos a fazer alguma coisa e damos por nós completamente distraídos, ou porque estamos preocupados com alguma coisa ou nos lembrámos de algo que nos fez pensar no passado; também estes personagens vão passando por isso e nós vamos assistindo.
Isto dá uma densidade enorme a cada personagem, que nós começamos a conhecer de uma forma que habitualmente não encontramos em qualquer livro. Por isto é que a Virginia Woolf é incrível! Conseguimos criar uma grande empatia com os personagens, porque a autora nos abre a porta para a mente de cada um. Daí que seja importante ler este livro com alguma atenção, porque caso contrário é fácil perdermo-nos e ficarmos sem perceber onde andamos. Embora a certa altura comecemos a conhecer as pessoas e a reconhecê-las mais imediatamente.
A narrativa passa-se no pós 1ª Guerra Mundial, num dia de Verão, em Londres e vamos acompanhando uma série de personagens, nomeadamente a Clarissa Dalloway, que sai de casa de manhã para ir comprar flores e para se preparar para uma festa que irá dar naquela noite. A ação deste livro passa-se toda num dia, embora através dos pensamentos e memórias das personagens, viajemos também pelo seu passado. E este livro também é muito sobre isso, a passagem do tempo. O que muda, o que não muda, o que se queria ter feito, as expectativas, as desilusões e o sentido que se dá ao que se viveu e se está a viver.
Lá em cima disse que após a primeira leitura, senti necessidade de reler, essencialmente para perceber um bocadinho melhor o que tinha lido. Na altura, embora tenha gostado, senti que não tinha conseguido perceber o porquê de várias pessoas adorarem este livro. Agora continuo a querer relê-lo, mas para poder saborear sempre mais um bocadinho deste presente que a Virginia nos deixou (que acredito ter aqui muito dela). Mal posso esperar por ler os seus outros livros!


"Atravessava as coisas como uma faca e, ao mesmo tempo, ficava de fora, a olhar. Ao olhar os táxis, tinha a sensação permanente de estar fora, no exterior, sozinha, muito longe no mar; sempre tivera a sensação de que era muito, muito perigoso, viver um só dia que fosse."