sábado, 23 de março de 2019

1984, George Orwell

Era uma falha gigante na minha vida, o facto de nunca ter lido o 1984, de George Orwell. Li há uns tempos o Animal Farm também deste autor e gostei muito. Assim sendo, decidi pegar nele este ano.
A sua leitura foi sempre muito fluída, mesmo nas partes que eu (erradamente) antevia que pudessem ser aborrecidas. Além disso, faz-nos pensar em muita coisa. Dei por mim a parar para falar sozinha várias vezes!

Primeiro, importa dizer que este livro é uma distopia (a mais conhecida, provavelmente), ou seja: contrariamente às utopias, neste caso temos o retrato de um mundo caracterizado pela opressão, totalitarismo, pelo endeusamento da autoridade, pela falta de liberdade, de pensamento crítico e do direito à individualidade, pelo controlo e pela utilização da tecnologia para esses mesmos fins.

Este livro foi publicado em 1949 e retrata uma sociedade imaginada por G. Orwell em 1984. Passa-se naquilo que seria o território inglês, embora neste livro o mapa geográfico não corresponda ao que conhecemos.

Esta sociedade é governada pelo Grande Irmão (sim, Big Brother, aquela casa onde eles eram vigiados o tempo todo - não foram eles que tiveram a ideia!). Não lhe conhecemos outro nome e nunca o chegamos a encontrar fisicamente nesta história. Além desta entidade, temos depois vários ministérios, cujos nomes correspondem à antítese daquilo que lá se pratica (e.g. Ministério do Amor, onde torturam pessoas; Ministério da Verdade, onde transformam a mentira em verdade e vice-versa). Além destas temos a Polícia do Pensamento, que persegue os crimepensantes (palavra da novilíngua - adaptação da língua original para uma mais simples, com pouco vocabulário, menos adjetivos e menos espaço para o pensamento e a expressão de ideias divergentes).

O nosso protagonista é o Winston, um homem que trabalha no Ministério da Verdade, onde tem tarefas diárias como ir aos arquivos da imprensa alterar certos textos incluídos em edições de jornais do passado, de maneira a que façam sentido com o presente. Por exemplo, se no atual momento temos o governo a reduzir a quantidade a ser distribuída de um certo alimento (de 3 para 2 pacotes), é necessário ir à edição do jornal em que foi dito que tal não iria acontecer e alterar essa informação, por exemplo, dizendo que iriam aumentar (de 1 para 2 pacotes). Desta forma, não só se evitava a exaltação de ânimos, visto que não se poderia dizer que o Estado estava a fazer o contrário do que prometera, como ainda dava a impressão da situação estar a melhorar e do Grande Irmão ser bastante confiável e generoso.

Este livro ainda hoje anda na minha cabeça e lembro-me frequentemente dele. Cada vez mais acho que será dos poucos que irei reler. Esta característica do emprego de Winston deixou-me a pensar. É uma ideia muito interessante (e assustadora), esta possibilidade de alterar aquilo que damos por inalterável: o passado. No livro são feitas algumas reflexões quanto a isso mesmo. A História é aqui diariamente alterada. Os livros são modificadas e tudo fica de acordo com aquilo que é desejado para evitar que as pessoas pensem pelas suas próprias cabeças. Há um ideal a ser transmitido, um modo de vida e um conjunto de ideias, ficando o mundo destas pessoas restringido a isso mesmo.
São definidos três lemas para esta sociedade e inicialmente quando os li deixaram-me intrigada. São eles: Guerra é Paz; Liberdade é Escravidão; e Ignorância é Força. Não entrarei em detalhe sobre cada um, mas devo dizer que o primeiro sempre foi o que mais me fez confusão, dado não conseguir entender como é que aquilo poderia fazer sentido para alguém (os outros também não, mas com o que sei de governos totalitários, consigo entendê-los melhor). Ao longo da leitura, compreendi do que se tratava e de como a manutenção de uma guerra, seja ela real ou não, poderá permitir a paz interna num país.

Muitas destas ideias doentias podem ser vistas à luz da teoria de Maslow e a sua pirâmide das necessidades! Se mantivermos as pessoas no nível das necessidades mais básicas (e.g. alimentação, questões de sobrevivência), elas não darão importância nem procurarão atingir necessidades mais elevadas (e.g. relações pessoais significativas, autoestima, criatividade e realização pessoal). Tudo isto protege a estabilidade de um governo e ajuda a que aqueles que estão no poder, lá se mantenham e sem grande alarido.


Outro aspeto interessante é que, neste sítio, as pessoas que começam a desviar-se da lente opressora do governo (literalmente, visto que eles têm telecrãs - televisões com câmaras - e microfones), não são executadas em praça pública. Essas pessoas simplesmente desaparecem e esta é uma ideia bem desenvolvida neste livro, nomeadamente o porquê disto ser feito assim. Essas pessoas não podem ser olhadas por alguém como mártires, porque a partir do momento em que são apanhadas, é como se nunca tivessem existido. Além disso, é muito provável que no momento da sua morte, já tenham abdicado genuinamente de todas as suas convicções anteriores.

Infelizmente, é impossível não comparar esta sociedade de 1984 com alguns aspetos da sociedade de 2019, especialmente se olharmos para a questão das fake news, para a forma como os nossos dados são tratados e para como acabamos por ter também um Big Brother a seguir os nossos passos (quer através das autorizações que damos às aplicações nos nossos telemóveis, quer através daquilo que nós próprios publicamos).

 RESUMO PARA OS MAIS PREGUIÇOSOS: 

Isto tudo para dizer que adorei este livro e que, no meu caso, sinto que se vai tornando cada vez melhor com a distância, porque continua a fazer-me pensar, mesmo depois de já estar fechado. Lá está, há quem diga que um clássico é um livro que nunca acabou de dizer aquilo que tinha para dizer! Este é um grande exemplo disso mesmo. Se ainda não leram, leiam! Vale muito a pena e lê-se muito bem.

sexta-feira, 15 de março de 2019

Livros do Mundo #1: Escócia

Não sei quando será a próxima, mas decidi que sempre que viajar, irei comprar um livro de um autor com nacionalidade do país que estiver a visitar. Assim, uma das coisas que planeei para a minha viagem a Edimburgo, foi a minha wishlist de autores escoceses e algumas obras que pela sinopse me pareceram interessantes. Esta lista era composta por autores mais clássicos e outros mais contemporâneos. Pena que me tenha esquecido dela em Portugal... Já leram alguns?
  • Walter Scott (Ivanhoe, 1819)
  • Robert Louis Stevenson (The Strange Case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde, 1886)
  • Arthur Conan Doyle (A Study in Scarlet, 1887)
  • J. M. Barrie (Peter Pan, 1904)
  • Lewis Grassic Gibbon (Sunset Song, 1932)
  • Muriel Spark (The Prime of Miss Jean Brodie, 1961)
  • Irvin Welsh (Trainspotting, 1993)
  • Ali Smith (The Accidental, 2005)
Obviamente que, no meio dos meus planos para esta viagem, também incluí algumas idas a livrarias e só tenho pena de não ter tido mais tempo para as explorar ainda melhor. No meio de tanta coisa que queríamos ver e fazer, acabei por só conseguir visitar três.


  • Waterstones, que tem vários pisos, com livros para todos os gostos, uma secção de papelaria e merchandise livrólico (sim, há muito Harry Potter!) e uma secção de livros infantil adorável. Uma das razões para a querer visitar é a vista que tem para o castelo e para os jardins da Princes Street. É das vistas mais bonitas e era o sítio onde provavelmente passaria mais tempo, caso vivesse em Edimburgo. Foi a livraria de que gostei mais e tornou-se na minha preferida de todas onde já entrei.


  • Blackwell's Bookshop, uma livraria mesmo perto do National Museum of Scotland (um dos meus sítios preferidos da cidade). Tive que me controlar bastante porque tem imensos livros, com grande variedade, preços bem tentadores e promoções que ainda hoje me perseguem em sonhos (conseguia comprar três livros novos pelo preço de um em Portugal............). Naquele momento estávamos com pressa para ainda aproveitarmos algum tempo no museu, porque caso contrário, acho que ainda hoje lá estava.



  • Armchair Books, paragem obrigatória para qualquer livrólico. Fica perto de Grassmarket e é das livrarias mais conhecidas da cidade. Entramos pela porta e damos logo com os estreitos corredores, que fazem com que esta livraria pareça mais pequena do que na realidade é. Tem vários corredores, levando-nos num pequeno labirinto apetrechado de livros usados de cima a baixo. Encontram nela uma grande variedade, com livros de géneros diferentes; está cheia de relíquias e de livros a preços muito bons. Das três, foi aquela onde passei mais tempo e a única onde comprei livros. As estantes estavam repletas de livros desejados, a esticarem as mãozinhas para mim e ter que os abandonar foi de partir o coração.


Passando então para o que trouxe comigo, acabei por não encontrar exatamente os livros que queria. Além disso, não tinha muito espaço na mochila para voltar para Portugal carregada de livros e também não me sentia bem a gastar muito dinheiro (depois de ter pago 9,99£ pela mini pilha banhada em ouro para a minha máquina fotográfica - ainda não ultrapassei o trauma). Já tinha decidido que só iria comprar no máximo dois ou três livros e ia com a ideia de comprar um autor mais clássico e outro mais contemporâneo (especialmente Ali Smith, que tenho imensa curiosidade!). Acabei por comprar apenas dois livros, na Armchair Books: The Hound of The Baskervilles, do Sir Arthur Conan Doyle (5º livro com o Sherlock Holmes) e o A Far Cry from Kensington, da Muriel Spark. Não encontrei nesta livraria nada da Ali Smith (ninguém se desfaz dos livros dela, estou a ver!) e não encontrei exatamente os livros que queria, mas vim muito satisfeita. Nunca li nada destes autores, então estou muito curiosa. Veremos se fiz boas escolhas! (Acredito que sim)



sábado, 9 de março de 2019

Filmes: F is for Female

Chegou a altura de pensar sobre os filmes que vi em Fevereiro. Isto levou-me a perceber que sem querer, à excepção do primeiro, apenas vi filmes com protagonistas mulheres e todos eles filmes de época! Não fiquei extremamente surpreendida, porque é o tipo de filmes que gosto de ver, mas é curioso só ter visto isto durante este mês. A única excepção foi o Fantastic Beasts: Crimes of Grindelwald, mas nem o incluo neste balanço, porque já o tinha visto em Novembro. 

Bem, nós aqui já sabemos como é que isto funciona. Na altura dos Oscars, queremos sempre ver uma série de filmes que estão nomeados, mas depois acabamos por ver só um ou dois... Este ano não senti muita vontade de correr atrás de quase nenhum, mas um dos que me despertou curiosidade foi...


... A Favorita. É do Yorgos Lanthimos, realizador do filme The Lobster, do qual gostei muito. Atirei-me de cabeça a este filme, sem saber grande coisa e fui muito surpreendida. Sabia que a história envolvia uma competição entre duas jovens pela atenção da rainha, mas acabou por ser mais do que isso. 
Achei a personagem da rainha Anne, brilhantemente interpretada pela Olivia Colman, extremamente interessante, especialmente por não corresponder àquilo que se esperaria de uma rainha, alguém forte, ponderada e com capacidade para liderar. Por outro lado, vemos uma pessoa infantil, doente, irritável (e irritante), bastante influenciável e sem capacidade (nem, provavelmente, vontade) para liderar. Quem acaba por ter esse papel é Lady Marlborough (Rachel Weisz), uma espécie de dama de companhia/conselheira/parasita/amante nos tempos livres. Vivem bem com isso e os seus mil coelhos, com a Lady Marlborough a conseguir o que quer, até que chega Abigail Hill (Emma Stone), uma prima de Lady Marlborough, que entra em competição pela amizade e atenção da rainha. Achei que o filme explora bem a personalidade das personagens, dando-nos uma visão mais profunda destas pessoas e fazendo-nos acreditar nelas e entender melhor os seus comportamentos. Gostei muito!



Numa das publicações recentes, mencionei o Jane Eyre e isso deixou-me com saudades do livro e lembrou-me que nunca cheguei a ver qualquer uma das suas adaptações cinematográficas. Foi desta! Vi o filme de 2011, do realizador Cary Joji Fukunaga, com a bonita Mia Wasikowska a interpretar a grande Jane. Adorei! Foi muito bom poder voltar a esta história, que me deixou ainda com mais vontade de reler o livro.
Passa-se em Inglaterra, na época vitoriana e conta a história da Jane Eyre, uma criança orfã que ficou ao cuidado de uns tios. Depois da morte do tio, Jane acaba por sofrer muito nas mãos dos primos e da tia e depois de um conflito, é enviada para Lowood, uma escola muito rigorosa e onde é apresentada como uma criança mal comportada e mentirosa, devendo as outras afastar-se dela. Depois de tudo isto, acompanhamos a Jane na sua ida para Thornfield Hall, de maneira a ser percetora de uma criança. É aqui que se passa a maior parte da ação do filme, onde conhecemos o Mr. Rochester (Michael Fassbender) e onde vemos a personalidade forte da Jane, especialmente em certas decisões que acaba por tomar.
Recomendo mesmo muito este filme. Deixou-me completamente agarrada à história e cheia de vontade de reler o livro, desta vez em inglês.


Fevereiro foi o mês em que fui a Edimburgo, então decidi fazer o trabalho de casa e aproveitar o lançamento recente do filme Mary Queen of Scots, realizado pela Josie Rourke. Apesar de ter achado o filme interessante, não o recomendaria a qualquer pessoa. Dá-nos a conhecer a história desta figura tão importante para a História da Escócia, nomeadamente a sua relação com a rainha de Inglaterra, Elizabeth I (Margot Robbie). Ainda assim, e por isso é que não recomendaria a toda a gente, acho que é importante saber alguma coisa sobre ela antes de se começar a ver o filme. Caso contrário, provavelmente vai parecer muita informação estranha e sem sentido.
O filme capta o momento em que a Mary (Saoirse Ronan) volta à Escócia, depois de ter vivido, casado e enviuvado em França, regressando ao trono enquanto legítima herdeira. Neste período, a Escócia e a Inglaterra ainda andam aos xutos e pontapés, implicando uma com a outra por exemplo por questões religiosas (catolicismo vs. protestantismo). Querendo ocupar o trono de Inglaterra, Mary torna-se numa ameaça para Elizabeth, nomeadamente dada a falta de herdeiros e o apoio dado a Mary, especialmente pelos católicos ingleses. A isto seguem-se uma série de traições, reviravoltas e esquemas, mesmo típicos destas histórias. Recomendo a quem tiver vontade de conhecer esta história.


Por fim, fechei o mês com Colette, um filme recente do mesmo realizador do Still Alice (Wash Westmoreland), que nunca cheguei a ver mas do qual ouvi falar muito bem. Vi várias pessoas elogiarem este novo filme com a Keira Knightley e fiquei com curiosidade, sabendo apenas que era um filme sobre a história de uma escritora francesa.
Conhecemos a história desta mulher que vivia com os pais, numa casa modesta numa zona rural de França, até que casa com Willy (Dominic West), um "escritor", e entra na grande cidade de Paris. Está entre aspas, porque na verdade ele apenas assinava os livros, alimentando-se da escrita de outros. Eventualmente, também Colette se torna num dos seus ghost writers. Inicialmente, isto é para ela uma oportunidade de escrever, retirando prazer disso mesmo, até que se torna numa espécie de escrava, sem qualquer reconhecimento, embora os seus livros se tornem grandes sucessos.
Com o decorrer do filme, vemos a Colette a mudar e a sair do seu casulo, ganhando mais confiança em si e libertando-se daquilo que o marido (e a sociedade) lhe vai impondo, de maneira a ser ela própria e fazer aquilo em que acredita, por si e para si.
É um filme com uma personagem forte e inspiradora. Nunca li nada desta escritora e nunca tinha sequer ouvido falar dela, mas fiquei com alguma curiosidade. Gostei muito.