sábado, 27 de abril de 2019

Momentos de Aqui, Ondjaki

Já ando há imenso tempo com vontade de conhecer a escrita do Ondjaki, e como este ano decidi começar a esforçar-me por tentar fazer leituras mais diversas (pelo menos em termos geográficos), decidi atirar-me ao Momentos de Aqui, um livro de contos deste autor angolano. Além disso, sendo Abril o mês do #abrilcontosmil, senti que era a altura certa.

Quando partilhei no Instagram que ia começar a ler este livro, alguém me respondeu dizendo que se gostasse de Ondjaki, teria que ler também Mia Couto, porque iria adorar. Ora, Mia Couto é outro autor que também já quero conhecer há anos e é ele quem assina o prefácio deste livro, que eu adorei. E pronto... Agora tenho mais dois autores que quero muito ler!
Isto, porque adorei este livro do Ondjaki! Não tenho tido uma relação muito fácil com contos, porque sinto sempre que ficam aquém e algumas das antologias que li até hoje acabam por ter muito pouca coisa de que possa realmente dizer que gostei. Certamente que tenho andado atrás dos livros de contos errados para mim. 


Por tudo isto, comecei a ler este livro com algum receio de ser mais um que me passasse completamente ao lado, mas enganei-me. Adorei logo o primeiro conto! Não vou mentir e dizer que gostei de todos, porque sendo uma antologia, há sempre alguns que não têm tanto impacto, mas o saldo é muito positivo. Deixou-me cheia de vontade de ler mais coisas do autor!
Há contos sobre a guerra e o que fica depois dela, sobre a saudade, a infância e a velhice, o passar do tempo e o luto. Há contos sobre simples momentos, como o primeiro, que envolve o mar, a paz e liberdade do horizonte e que consegue fazer com que nós, leitores, estejamos lá também com os personagens, a sentir o que eles sentem. É incrível! A impressão com que fiquei, de maneira geral, é que ele nos conta histórias muito sensoriais, ou seja, transmitindo-nos cheiros, imagens, sons, que se tornam muito palpáveis durante a leitura. São histórias que mexem com as nossas emoções e de formas diferentes, fazendo-nos sentir calmos ou tristes, nostálgicos, zangados, ou até que nos fazem rir (ex: "Uma barriga natural mesmo").

Acho que dá para perceber que recomendo muito, não dá?

sábado, 20 de abril de 2019

Sobre os Muggles Que Não Receberam a Carta e Ficaram Ressabiados

São várias as pessoas com quem já surgiu este tema de conversa e de ambos os lados da questão. Já ouvi dizerem que não percebem quem gosta de fantasia, "mesmo já tendo atingido a idade adulta", e também já ouvi amantes de fantasia (e livros YA) dizerem que sentem um certo preconceito por gostarem deste tipo de histórias.
Eu gosto de alguns livros de fantasia e gosto também de livros de outros géneros, então hoje decidi trazer esta reflexão aqui para o blog. Acima de tudo, sou da opinião de que o que importa é que a pessoa leia aquilo de que gosta. Aliás, sinto que muitas pessoas só não se dedicam mais à leitura, porque ainda não descobriram que tipo de livros lhes dão mais gozo ler.

Há uns tempos, pensei aqui sobre a hesitação que muitas pessoas sentem em relação aos livros clássicos, dadas as ideias pré-concebidas que têm (e.g. serem aborrecidos, desatualizados, com linguagem difícil). Mas por outro lado, há também quem diga não entender a preferência por livros de fantasia, também por causa das ideias que têm em relação a estes. Dizem que nos livros de fantasia, predomina uma realidade que não existe e que essa busca por entrar num mundo diferente, com criaturas mágicas e poderes sobrenaturais, é algo que deve ser remetido à infância e à adolescência, como se de um amigo imaginário se tratasse. (Ide ver o Inside Out e voltem aqui para me dizer se ainda querem ver o vosso amigo imaginário pelas costas!)

Esta ideia, para mim, não faz sentido (e não é por causa da minha nostalgia da infância). É mesmo porque já li livros de fantasia muito bons, que me sugaram para dentro deles com a mesma veemência que o Tom Riddle puxou o Harry para dentro do seu diário (#thingsmuggleswontunderstand). Há quem tenha a ideia de que estes livros são de qualidade inferior, que são feitos apenas para crianças ou adolescentes, com ideias tão básicas que fariam revirar os olhos a qualquer pseudo-intelectual. Mas pelo contrário, a construção de muitos destes mundos de fantasia é extremamente complexa e, contrariamente ao que muitas vezes se lhes associa, nem sempre temos como protagonista uma criança ou adolescente. É claro que lemos, por exemplo, Harry Potter e não vamos encontrar ali a explicação para a origem do universo, mas a vida não é só isso, certo?

Acho que também depende muito daquilo que cada um procura nos livros. Estão a ler porquê? Só consigo responder por mim. Leio porque me relaxa e me dá muito gosto. Leio porque quero saber mais, porque conhecimento é poder e aprendo sempre qualquer coisa em cada livro, sejam isso factos, vocabulário, histórias, maneiras de sentir, locais diferentes e episódios históricos. Leio porque gosto de ser transportada para outra realidade, seja ela equivalente ao mundo em que habito ou não, porque isso me permite cultivar a minha imaginação e conhecer sítios e situações que de outra forma dificilmente conheceria. Leio porque gosto de ouvir histórias, de conhecer um bocadinho mais do outro e ir além de mim mesma.

Olhando para isto, os livros de fantasia que tenho lido até aqui (e ainda tenho um monte por ler!), preenchem muitos dos requisitos que me fazem gostar de ler. Além de me ajudarem a desenvolver a imaginação e criatividade, levam-me a conhecer histórias noutras realidades, o que me relaxa, porque faz com que me envolva mais facilmente na história e me distraia do que se passa à minha volta. (Quem nunca quis ignorar um bocadinho o mundo em que vive, as responsabilidades e os prazos, que atire a primeira pedra!) Depois o facto do autor ter escolhido transmitir a sua mensagem através dos moldes da fantasia, não significa que não tenha coisas importantes a dizer. Até porque há temas universais, que estão também presentes nestas histórias. 

E depois há histórias que merecem ser contadas só porque entretêm. Há pouco tempo, estive na apresentação do livro "Estar Vivo Aleija", do grande Ricardo Araújo Pereira, e ele falou do papel que o humor tem em nos ajudar a lidar com o facto de sabermos da nossa mortalidade. Sabemos que vamos morrer, mas até lá vamos então aproveitar e rir-nos um bocadinho disto. Penso o mesmo dos livros que nos entretêm. O que importa é que sejam uma boa companhia enquanto por cá andamos. Se a pessoa é feliz a ler ensaios filosóficos, políticos e astrocenas, que seja. Se é feliz a ler livros de fantasia, romances românticos, ficção científica, ... Que seja.

sexta-feira, 12 de abril de 2019

Uma Cana de Pesca Para o Meu Avô, Gao Xingjian

Faz parte da minha personalidade esta vontade de querer conhecer sempre mais, de querer explorar novos autores, novas histórias, novos géneros literários. Por isso é que tenho tentado explorar um bocadinho mais a poesia e os livros de contos, e também por isso é que decidi ver de que países eram os autores dos livros que tenho andado a ler (aqui).
Foi neste sentido que decidi conhecer este autor, o Gao Xingjian, vencedor do Prémio Nobel da Literatura em 2000. Até aqui nunca tinha lido qualquer obra de autores chineses, então decidi aproveitar para o fazer através deste pequeno livro de contos, cujo título provém de um desses contos, o Uma Cana de Pesca Para o Meu Avô
Geralmente gosto muito de ter um livro assim como leitura secundário, para ir lendo um conto de vez em quando ou uma crónica ou um poema. Mas com este livro a experiência foi penosa. Apesar de ter menos de 100 páginas e dos textos serem curtos, dado que são pequenas histórias, demorei imenso para o ler e raramente tinha vontade de lhe pegar.
Inicialmente estava bastante entusiasmada com a leitura e quando soube que era um autor premiado, ainda aumentei mais as minhas expectativas, embora as fracas pontuações no Goodreads devessem ter feito soar os alarmes.
Este livro é composto por seis contos, dos quais gostei mais ou menos de um e gostei realmente de outro. Quanto aos restantes, senti que foram uma perda do meu tempo... Falando daquele de que gostei bastante, "A cãibra", que é o terceiro e me fez ganhar esperança, senti que o autor foi muito bem conseguido. Nesse conto temos como cenário a praia e um homem que entra no mar ao final da tarde e que a certa altura têm uma cãibra, que lhe dificulta a saída do mar. É uma ideia muito simples, mas que foi escrita de uma forma muito envolvente, que me fez sentir ansiosa, como se eu própria estivesse naquela situação aflitiva. É um homem a tentar sair do mar, com o céu a escurecer, sem ninguém que o veja e tente ajudar e sem ele próprio se conseguir mexer em condições. Isto podia perfeitamente sair do repertório de pesadelos de alguém!
Quanto ao outro conto do qual gostei mais ou menos, "O acidente", nele debate-se a indiferença perante um acidente, em que uma pessoa é morta por atropelamento no meio de uma cidade movimentada. Apesar de ter achado alguns aspetos interessantes, não adorei este conto.
Relativamente aos outros, apenas os li com esperança de chegar ao final com um saldo positivo e de maneira a ter uma opinião o mais completa possível quanto a este livro. Na verdade não me arrependo de o ter feito, porque até gostei de algumas ideias e frases, mas não é um livro que recomende.
Parece-me que também tenho dificuldades em encontrar livros de contos de que goste, então aceitam-se sugestões!

sábado, 6 de abril de 2019

Filmes: Minimal March

Este mês de Março acabei por ver menos filmes, provavelmente porque passei mais tempo com livros e séries, mas também porque com o bom tempo, passei menos domingos fechada em casa com filmes. Vi apenas três, dos quais vou falar um bocadinho.



O primeiro filme que vi foi o Reality Bites (1994), que já estava na minha lista para ver há muitos anos. Gosto muito da Winona Ryder e queria ver este filme principalmente por causa dela. Comecei sem saber do que se tratava e apercebi-me de que foi o filme certo para ver no momento em que me encontro. Nele acompanhamos um grupo de amigos, depois de terminarem o seu percurso universitário. Por isso, vemos como cada um procura seguir os seus sonhos, os desafios associados à entrada no mundo do trabalho, as dificuldades e os dilemas entre aquilo de que se gosta e aquilo de que se precisa. Além disso, vemos também como é que se desenvolvem as relações entre eles.

Não é o melhor filme que vi em toda a minha vida, mas foi bom para me entreter. É um típico filme dos anos 90, com pouco mais de hora e meia, sendo que uma boa parte foi gravada como um documentário caseiro.
P.S.: Procura-se pessoa para recriar esta cena.

TRAILER


Depois disto, decidi ver outro filme que também já queria ver há muito tempo, o Tomboy (2011). Neste filme temos uma família  com duas crianças (a Laure com 10 anos e a Jeanne com 6) que se muda para outro bairro durante o Verão.
Não conhecendo ninguém, a Laure vê algumas crianças brincarem na rua e decide aproximar-se delas. Tendo ela o cabelo curto e usando roupas "menos femininas", é imediatamente confundida com um rapaz, o que ela não rejeita, apresentando-se como Mickael. Ao longo do resto deste curto filme vamos acompanhando a Laure/Mickael enquanto ela explora a sua identidade de género.

Gostei mesmo muito deste filme e fez-me pensar no papel dos rótulos e no seu impacto na pessoa e nos que estão à sua volta. Tem uma imagem muito bonita e passa-se quase todo na perspetiva das crianças. A relação entre estas duas irmãs foi provavelmente o meu aspeto preferido.

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Por fim, o último filme que vi em Março foi um bastante recente, Searching (2018). Apetecia-me ver qualquer coisa que me entretivesse e algo diferente do meu habitual, neste caso, um thriller ou algo do género. Tenho uma longa lista de filmes desse género recomendados, mas acabei por pegar logo neste. Serviu o seu propósito, embora eu não tenha gostado do final. Ainda assim, até mais ou menos metade do filme, estive bastante envolvida.
Basicamente, esta história é-nos contada exclusivamente através do computador do protagonista, ou seja, através daquilo que vai aparecendo no seu ecrã, seja isso uma janela com e-mails, conversas, fotografias, etc. Este protagonista é um homem, que vivia com a mulher e uma filha, até que a mulher morre (não é spoiller! É logo no início do filme!). Depois disto vamos acompanhando mais ou menos o seu processo de luto e vamos vendo as conversas que vai tendo com a filha, até que a certa altura esta desaparece. Ou melhor, não aparece em casa depois de uma sessão de estudo em casa de uns amigos. Depois disto acompanhamos toda a sua procura pela filha, que é feita, além do recurso às autoridades policiais, também muito autonomamente, através dos contactos e das redes sociais da filha.

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quarta-feira, 3 de abril de 2019

Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios, Marçal Aquino

Bem, vamos lá então falar sobre Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios, de Marçal Aquino, que além de mim e mais meia dúzia de pessoas, ninguém parece conhecer em Portugal. Uma youtuber, com cujo gosto me identifico bastante, falou há uns tempos deste livro e falou tão bem, que assim que o vi à venda por cá, tive que o trazer para casa (até porque não é nada fácil de encontrar!). Geralmente isto não me acontece, mas ela comparou-o aos livros do Bukowski e eu fiquei com a pulga atrás da orelha.

Resumindo, a história passa-se na zona do Pará (Brasil), é-nos contada através da perspetiva do protagonista masculino e é logo desde o primeiro capítulo que sabemos que não podemos esperar dela um final feliz.
Apesar de termos uma linha narrativa principal, com a história do nosso protagonista, pela forma como o livro foi escrito, vamos conhecendo também outras histórias, sempre com um constante balançar entre tempos e espaços. Este recurso a analepses e prolepses às vezes pode dificultar o entendimento da história, por se tornar muito confuso (como eu senti que aconteceu neste livro), mas neste caso foi muito bem feito. Cada cena vai surgindo de forma muito fluída e vamos acompanhando os personagens quase como se estivéssemos a assistir a um filme (que existe e quero muito ver!).
A história é contada na perspetiva do Cauby, um homem fotógrafo que no momento presente se encontra hospedado num motel, onde passa bastante tempo a ouvir as histórias de um velho homem careca, principalmente a história do amor da sua vida, Marinês, por quem mudou completamente de vida. Esta é uma das narrativas paralelas que vamos acompanhando e eram momentos aos quais gostava sempre de voltar ao longo do livro. Ao mesmo tempo em que isto vai acontecendo, vai-nos sendo contada a própria história do Cauby, que se vai lembrando de como tudo aconteceu até ele ir ali parar.
Percebemos que, durante uma visita à loja de fotografia local, Cauby conhece Lavínia, uma jovem bem mais nova que ele e que é a modelo de uma fotografia ali exposta. Apaixonam-se imediatamente um pelo outro, o que é o único aspeto deste livro de que eu menos gostei, porque tendo a ter dificuldades em acreditar nestas paixões imediatas. Contudo, isto surge logo no início do livro e, com o passar das páginas, a relação é muito bem desenvolvida, assim como cada personagem.
Esta é uma história de amor que, na minha opinião (especialmente pela forma tão bonita como foi escrita), não cai no "vulgar". É uma história intensa, não fosse também a Lavínia a mulher explosiva que é. Acho que, agora que a conheço bem, posso dizer que é uma verdadeira personificação da instabilidade emocional! Apesar de ser bem mais nova que o Cauby, esta mulher tem um passado incrivelmente pesado e que vamos conhecendo com o avançar do livro. Com um historial de prostituição, é retirada das ruas por um homem, pastor da igreja local, por quem se apaixona e com quem casa. É neste contexto que conhece Cauby e, como podem já adivinhar, é esta uma questão importante no desfecho desta história, embora não nos moldes que podem estar a prever.

Devo dizer que devorei este livro numa semana (eu, que sou uma slowreader). Inicialmente fez-me alguma confusão a tal questão da paixão repentina, mas isso foi-se desvanecendo, conforme os fui conhecendo. Adorei passar tempo com estes personagens e quando cheguei ao final do livro, apercebi-me da grande história que me tinham acabado de contar. Não se tornou no melhor livro da minha vida, mas foi uma boa experiência com um autor brasileiro contemporâneo, do qual nunca tinha ouvido falar. É um livro quente e húmido, como imagino o Brasil. Gostei muito e recomendo a quem quiser conhecer a relação desta duas pessoas, contada de uma forma muito bonita, poética e crua.