quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Stoner, John Williams


Stoner é um daqueles livros em que mais do que a história, importam as personagens. Ao entrarem nele, nem vale a pena esperarem pelo grande clímax, porque não acontece. Não é um livro de ação, nem me parece que tenha sido escrito com o propósito de enaltecer os feitos de alguém. Neste, conhecemos William Stoner, um homem normal, que vive uma vida normal (embora, para mim, muito interessante).

Estamos no início do século XX e William Stoner é incentivado a ir para a universidade, no sentido de estudar Agricultura e poder contribuir para o trabalho dos pais no campo. Segue para a Universidade de Missouri, onde a vida lhe dá umas voltas e se apaixona pela Literatura, acabando por trocar de curso e mudar os seus objetivos de vida. 
Passamos muito tempo da narrativa em ambiente académico, o que me agradou muito desde o início, que já tenho saudades desses tempos.

Acompanhamos os seus dias e a forma como vai percebendo o mundo que o rodeia. Seguimos a sua vida como professor universitário, colega, amigo, marido e pai. Passamos com ele por duas grandes guerras, por decisões que vão sendo tomadas por si e pelos outros e qual o impacto das mesmas.

A sensação com que fui ficando sempre ao longo do livro é muito estranha e é-me difícil explicar. Não acontece nada de especial, mas adorei acompanhar a vida deste protagonista. A forma como o livro foi escrito também é bastante cativante, ainda mais para quem adora ler! Há passagens deliciosas em que inevitavelmente nos revemos, como esta:

"Sometimes, immersed in his books, there would come to him the awareness of all that he had not know, of all that he had not read; and the serenity for which he labored was shattered as he realized the little time he had in life to read so much, to learn what he had to know."

No dia em que terminei a leitura, disse que o aftertaste deste livro tinha sabor a melancolia e continuo a sentir o mesmo, embora não considere que a história de vida de William Stoner tenha sido particularmente triste. Era uma pessoa mais introvertida e solitária - e é curioso como penso nele como uma pessoa real, o que só revela o quão bem construída foi esta personagem. Sinto que esta melancolia talvez venha de ter sentido que a vida dele ficou por vezes aquém do que ele desejava e que, apesar de tudo, sempre imperou muito a solidão.

Foi sem dúvida um dos livros que mais me marcou este ano e do qual me vou lembrar muitas vezes, de certeza. Se tivesse que comparar a alguma coisa o sentimento com que fiquei depois de o ler, seria à forma como me senti no final do filme "La La Land", embora não tenham rigorosamente nada a ver um com o outro. Mas refiro-me àquela sensação "pois... é isto, não é?".

terça-feira, 12 de novembro de 2019

O Retorno, Dulce Maria Cardoso

Nem sempre é assim, mas vou começar já por dizer que o meu objetivo com este texto é convencer quem se cruzar com ele, de que quer ler este livro. Porque este precisa mesmo de ser lido.

São muitas as recomendações de livros que vejo diariamente e, não as seguindo a todas, fico muito feliz por ter decidido seguir a da Silvéria. Nunca tinha lido Dulce Maria Cardoso e pouco sabia em relação ao período da descolonização e dos retornados. Talvez isto nem seja por acaso... Afinal não passaram assim tantos anos e acredito que para muitos seja ainda uma ferida aberta, onde ainda não se consegue mexer muito. Foi a vontade de compreender melhor esta realidade, até porque não tenho testemunhos de pessoas próximas de mim, juntamente com a vontade de conhecer mais escritoras portuguesas, que me levou a avançar com esta leitura. 

E foi uma viagem sem retorno, porque é impossível ficar indiferente a esta história. A escrita da Dulce Maria Cardoso é deliciosa (das que mais gostei nestes últimos tempos, honestamente) e, juntamente com a narração da história por parte do Rui, prenderam-me desde as primeiras páginas.

Lemos o primeiro capítulo e o cenário é-nos apresentado. Estamos em 1975 e percebemos claramente que se vivem os últimos dias em casa, em Luanda. Os nossos olhos são os do Rui, um adolescente de 15 anos que vive com os pais e a irmã na sua casa de sempre, que deixou de ser para sempre. Logo neste primeiro capítulo, ficamos com a sensação de nó na garganta assim que nos tentamos colocar no lugar destas personagens e tentamos imaginar como se estariam a sentir. Provavelmente, uma mistura de tristeza, revolta, medo, frustração, desamparo e sabe-se lá que mais... E sentimos tudo de uma forma muito real, não só porque nos conseguimos ligar muito bem ao Rui (de quem acho que vou ter saudades), mas porque assim foi e porque a própria Dulce passou por tudo isto.

"E a manhã voltou a ser a nossa última manhã aqui, os quintais ficaram vazios, os fogareiros cheios de chuva antiga, os pneus quietos nas árvores como se fossem olhos parados no ar a fazerem-nos perguntas. A nossa última manhã. Tão silenciosa apesar dos tiros."

Acompanhamos os últimos dias e, com o coração apertado, vemos com o Rui a casa a ficar cada vez mais pequenina no espelho retrovisor. Seguem-se os longos meses em que um quarto e uma varanda de hotel se tornam forçosamente numa casa e em que esta família (e outras) procura adaptar-se à mudança das suas vidas. Os sonhos, os planos, os medos, as perdas, o estigma, o sentimento de inadequação, de  rejeição, revolta e de não pertencer a um lugar. 

Este livro lembrou-me muito do porquê de gostar de ler. É o querer saber mais, querer conhecer histórias de vida e querer calçar os sapatos do outro e sentir algo minimamente semelhante àquilo que ele sente; compreender melhor realidades diferentes da minha. "O Retorno" deu-me isto tudo, juntamente com a possibilidade de descobrir a escrita maravilhosa da Dulce, que preciso agora de explorar melhor. Acho mesmo que este livro se vai tornar num clássico da literatura portuguesa, até porque retrata um período tão importante da nossa História. É uma história que precisa de ser lida.  Aproveitem que vem aí o Natal e ofereçam isto a toda a gente! 

Gostava de ler mais livros cuja narrativa se passe nesta época e por isso agradecia muito a quem me desse sugestões!

quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Shirley, Charlotte Brontë

Demorou, mas foi lido! Hoje venho aqui deixar algumas ideias com que fiquei após a leitura de Shirley, da Charlotte Brontë. Da autora apenas tinha lido há uns anos o livro Jane Eyre, do qual gostei bastante. Na altura ainda não tinha este blog, então nunca cheguei a escrever a minha opinião acerca dele, mas foi um livro que me marcou por ter podido acompanhar a história de vida da Jane, protagonista. Nesse livro seguimos a vida dela desde a infância e vemo-la crescer e tornar-se numa mulher forte e com uma forma de ver o mundo, que é representativa das ideias feministas e inovadoras da Charlotte.

Em "Shirley", a história é diferente. Temos duas protagonistas, a Caroline (que conhecemos primeiro) e a Shirley e também aqui as ideias da Charlotte encontraram forma de respirar através das suas personagens. Nesta obra não acompanhamos vários anos na vida das protagonistas, ficando a narrativa circunscrita a um período mais curto. Nos primeiros capítulos apercebemo-nos do contexto social e político da época, caracterizado pelos primórdios da revolução industrial em Inglaterra e respetivas consequências, bem como pela desigualdade social. Durante algum tempo vamos acompanhando a resistência dos trabalhadores ao avançar da indústria e consequente perda de postos de trabalho, até começarmos a passar mais tempo com as personagens e a conhecê-las melhor.

Apesar do romance se intitular "Shirley", quem acompanhamos durante a parte inicial do livro é Caroline Helstone, uma jovem orfã que vive com o seu tio e vai revelando uma forma de pensar bastante irreverente e avançada para a sua época. Algumas dessas ideias relacionam-se com o papel da mulher na sociedade, nomeadamente no mundo do trabalho (a falar disto no século XIX!!!) e no casamento. Alguns dos seus diálogos são absolutamente deliciosos, assim como os que tem com Shirley, assim que esta surge na história e começamos a acompanhar a amizade entre as duas.

Em termos da narrativa, não entrem para este livro à espera de muita ação e de muitas coisas a acontecer o tempo todo. Senti este livro mais como um retrato de uma época e não tanto com o foco em contar a história de uma personagem como foi com Jane Eyre. Curiosamente, tanto em Jane Eyre como em Shirley, o meu ritmo de leitura foi semelhante, sendo que em ambos os casos comecei com uma leitura fluída e a meio senti um bloqueio e uma diminuição do interesse. Mas também nas duas vezes, depois de ultrapassada essa fase, a última metade do livro foi completamente devorada. É também nesta parte que senti que o livro adotou uma intensidade emocional maior, expressa nomeadamente através da zanga de Shirley e das revelações que foram feitas por diversos personagens.

Fiquei a questionar-me acerca do impacto que a vida pessoal da Charlotte teve durante a escrita deste livro, dado que nesse período e em menos de um ano perdeu três irmãos (Branwell, Emily e Anne). A certa altura apercebemo-nos que uma das personagens atravessa um período mais depressivo, pelo qual também Charlotte talvez tenha passado e que traz também ao livro uma representação de como era vista a doença mental na época vitoriana.

Adorava que a Charlotte tivesse sido um pouco mais arrojada com o final da história, mas é compreensível e acabou por ser satisfatório, especialmente considerando a época em que foi escrito. Até metade do livro, para mim estava a ser uma leitura mediana, mas depois da última metade tornou-se numa experiência muito boa! Não recomendo este livro a toda a gente, mas sim a quem se interessar pelo feminismo e por livros da época vitoriana. E no futuro... Pretendo ler as restantes obras da Charlotte Brontë, nomeadamente Villette, e eventualmente ressuscitá-la para sermos amigas na vida real. E pronto, é isso.

domingo, 8 de setembro de 2019

Persepolis, Marjane Satrapi

Acho que sempre fui uma pessoa curiosa, coisa que tem crescido comigo ao longo dos anos. Tenho como objetivo (e acho que é isso uma das coisas que me dá algum sentido) conhecer sempre mais, seja isto através das pessoas, das histórias, dos livros, das imagens, dos sítios, músicas, etc. Foi neste sentido que este ano decidi começar a ler mais poesia, por exemplo, visto que é um género de literatura que me tem passado mais ao lado. Também por isto, decidi ver qual a origem dos escritores que tenho andado a ler, com a intenção de diversificar mais as minhas leituras e conhecer realidades distantes da minha.

Em Agosto, incentivada pelo #agostoaoquadrado, decidi que tinha de ler Persepolis, da Marjane Satrapi, até porque já há alguns anos que tinha a intenção de conhecer esta história. Acabou por ser esta a minha porta de entrada para o mundo das novelas gráficas e bandas desenhadas e não sei se poderia ter escolhido melhor.

Persepolis é uma autobiografia, em que a Marjane nos conta a sua história desde a infância, contextualizada numa sociedade em mudança, após a revolução iraniana em 1979. Vamos acompanhando o seu percurso de vida, o significado que atribui às coisas, a construção do seu sistema de valores, as suas relações e todas as mudanças que vão ocorrendo dentro e fora dela.


Tinha elevadas expectativas para este livro, o que por vezes pode ser perigoso, mas neste caso não me desiludi. Adorei conhecer esta história de vida neste formato, com toda a riqueza que lhe foi acrescentada pela parte gráfica. É uma obra necessária e, ao lê-la, sentimos isso mesmo, que a Marjane tinha que contar a sua história e da sua família. Aprendi muito, não só sobre o Irão, mas também sobre pessoas.

Ainda não tinha terminado esta leitura e já temia chegar ao fim, dadas as saudades que já sentia da Marji, que se tornou numa inspiração para mim. Identifiquei-me muito com a sua sede de conhecimento e pela vontade de querer perceber o mundo à sua volta. Fiquei a desejar ter lido este livro há uns 10 anos, porque tenho a certeza que a Marji teria tido ainda mais impacto em mim. Deixou-me com vontade de pregar a todos que leiam este livro e conheçam a história da Marji e por isso é que preciso de partilhar isto por aqui e onde conseguir! Leiam!

quinta-feira, 8 de agosto de 2019

O Médico e o Monstro, Robert Louis Stevenson

Nunca li Frankenstein, mas quando comecei este livro, ia à espera de algo desse género. Andei à procura dele em Edimburgo, já que o Robert Louis Stevenson era escocês, mas foi numa pequena feira do livro por aqui que o encontrei. Acho que O Médico e o Monstro é ideal para quem quiser um livro pequenino para ler, embora não nos traga grandes novidades, pelo menos não em termos de narrativa (apesar de não acontecer exatamente o que estão à espera quando iniciam a leitura). Não vou adiantar-me quanto a isso, já que o livro é muito curtinho e tem muito do seu interesse em ser descoberto aos poucos.

Dando apenas algumas orientações, neste livro vamos entrar pelas ruas obscuras de Londres no século XIX. Aí vamo-nos cruzar com uma personagem misteriosa, que ninguém sabe muito bem quem é e cujas intenções e comportamentos deixam o nosso protagonista inquieto. Até porque esta personagem estranha parece andar a aproveitar-se da boa vontade de um dos seus poucos amigos (este protagonista não parece ser a pessoa mais afável deste mundo - nem do outro!). A partir daí, vamos com ele nessa missão de perceber o que se passa e quem é esta pessoa estranha.

Chegamos ao fim e percebemos que, na altura em que este livro foi escrito (1886), terá sido bem capaz de tirar o sono a alguns leitores e deixá-los com medo de caminhar por aqueles becos escuros da cidade. Percebemos que, além de uma história de mistério, é também uma história sobre aquilo de que o Homem é capaz. Aliás, não sei se Freud terá lido este livro, mas isto para ele seria uma clara ilustração das pulsões de vida e de morte. Oh, um miminho!

quarta-feira, 31 de julho de 2019

Mrs. Dalloway, Virginia Woolf

Venho, finalmente, registar por aqui as minhas ideias em relação ao Mrs. Dalloway, da Virginia Woolf. Li este livro há uns anos, mas confesso que na altura tinha pouca disponibilidade mental para tal, o que fez com que desejasse relê-lo assim que o acabei (e continuo a desejar fazê-lo, mas por razões um bocadinho diferentes).
E isto é algo que começava por dizer, que para ler este livro e poder aproveitá-lo como ele merece, temos que estar disponíveis a deixar que ele converse connosco. E ninguém gosta de estar a falar com alguém e sentir que não está a ter atenção, não é? Porque este livro não pára. É fluído como um rio, graças ao fluxo de consciência em que a Virginia Woolf é mestre. A sensação que este livro me foi sempre transmitindo é de uma grande melancolia, dada a sua densidade psicológica, mas mais importante que a narrativa em si, é a forma como ela é contada. Vamos saltando de um ponto de vista em que nos sentimos observadores, como se estivéssemos dentro do livro a ver as personagens; para pontos de vista em que estamos dentro da mente de cada uma e assistimos à forma como a nossa própria mente funciona. Saltamos constantemente entre mentes, espaços e tempos, através de sensações, memórias e associações. Tal como nós próprios por vezes estamos a fazer alguma coisa e damos por nós completamente distraídos, ou porque estamos preocupados com alguma coisa ou nos lembrámos de algo que nos fez pensar no passado; também estes personagens vão passando por isso e nós vamos assistindo.
Isto dá uma densidade enorme a cada personagem, que nós começamos a conhecer de uma forma que habitualmente não encontramos em qualquer livro. Por isto é que a Virginia Woolf é incrível! Conseguimos criar uma grande empatia com os personagens, porque a autora nos abre a porta para a mente de cada um. Daí que seja importante ler este livro com alguma atenção, porque caso contrário é fácil perdermo-nos e ficarmos sem perceber onde andamos. Embora a certa altura comecemos a conhecer as pessoas e a reconhecê-las mais imediatamente.
A narrativa passa-se no pós 1ª Guerra Mundial, num dia de Verão, em Londres e vamos acompanhando uma série de personagens, nomeadamente a Clarissa Dalloway, que sai de casa de manhã para ir comprar flores e para se preparar para uma festa que irá dar naquela noite. A ação deste livro passa-se toda num dia, embora através dos pensamentos e memórias das personagens, viajemos também pelo seu passado. E este livro também é muito sobre isso, a passagem do tempo. O que muda, o que não muda, o que se queria ter feito, as expectativas, as desilusões e o sentido que se dá ao que se viveu e se está a viver.
Lá em cima disse que após a primeira leitura, senti necessidade de reler, essencialmente para perceber um bocadinho melhor o que tinha lido. Na altura, embora tenha gostado, senti que não tinha conseguido perceber o porquê de várias pessoas adorarem este livro. Agora continuo a querer relê-lo, mas para poder saborear sempre mais um bocadinho deste presente que a Virginia nos deixou (que acredito ter aqui muito dela). Mal posso esperar por ler os seus outros livros!


"Atravessava as coisas como uma faca e, ao mesmo tempo, ficava de fora, a olhar. Ao olhar os táxis, tinha a sensação permanente de estar fora, no exterior, sozinha, muito longe no mar; sempre tivera a sensação de que era muito, muito perigoso, viver um só dia que fosse."

segunda-feira, 10 de junho de 2019

Leve 2, Pague 1! Viktor Frankl & Stefan Zweig

A minha rotina mudou neste último mês e tenho-me visto a chegar ao final do dia mais cansada e com menos tempo e capacidade para ler, muito menos ainda para escrever aqui. Ainda assim, sinto necessidade de escrever por aqui a minha opinião sobre o que vou lendo, também como forma de tentar contrariar a minha memória de peixe. 

No total, li três livros este mês, mas hoje apenas falarei de dois deles. O outro é de poesia e planeio fazer algo com ele mais tarde. 


M A N ' S   S E A R C H   F O R   M E A N I N G

Comecemos pelo  Man's Search for Meaning, do psiquiatra e psicanalista austríaco, Viktor Frankl. Este livro já habitava as minhas estantes sem ser lido há algum tempo (demasiado, na verdade), tendo-me sido recomendado várias vezes ao longo dos 5 anos de faculdade. Publicado em 1946, este livro é dividido em duas partes, sendo a primeira um relato da sua experiência nos campos de concentração pelos quais passou e a segunda uma explicação da sua abordagem teórica, a logoterapia (a base está na procura por um sentido para a vida). 
Contrariamente a algumas pessoas, leio com muito maior facilidade livros de literatura, do que livros teóricos, então confesso que temia que este livro fosse mais teórico e foi isso que me foi afastando dele. Para alguém que esteja a ler isto e tenha o mesmo receio, digo já que não vale a pena. Este livro é curtinho (165 páginas) e apenas consegui pegar nele alguns dias, mas de cada vez que o fazia, lia bastante. Naturalmente, a primeira parte lê-se com maior voracidade, dado o seu conteúdo, mas ainda assim considero que é um livro muito acessível. A escrita do autor é bastante simples e fácil de entender. 
Mas não vão à espera de encontrar uma descrição extensa dos horrores vividos nos campos de concentração nazi, porque não é bem isso que vão encontrar. O autor relata vários episódios, mas vai além disso. Ele vai pensando connosco acerca da vertente mais psicológica e emocional desta experiência, focando-se principalmente naquilo que, na sua opinião, ajudou a que algumas pessoas sobrevivessem - o sentido que davam àquela experiência. São feitas algumas referências a Friedrich Nietzsche, nomeadamente esta frase, que ficou comigo desde então: "He who has a why to live can bear almost any how". Recomendo muito, já que acho que vai dar azo a boas reflexões!



C A R T A   D E   U M A   D E S C O N H E C I D A

Terminei o mês com o primeiro contacto com um autor que nunca tinha lido, o Stefan Zweig, curiosamente também austríaco (juro que não foi de propósito!). Já tinha ouvido falar bem de outro livro dele, mas no dia em que fui à biblioteca só tinham este na estante, o Carta de uma desconhecida. Trouxe-o também por ser um livro curtinho (cerca de 60 páginas), o que foi perfeito para estes dias mais atarefados. Li-o bastante depressa, até porque me cativou desde a primeira página.
Este parte de uma cena inicial em que um homem recebe uma carta enorme e sem remetente. A carta começa com "para ti, que nunca me conheceste". Quer dizer... Quem é que não se ficava a roer de curiosidade depois de ler isto?! Stefan Zweig prendeu-me aqui e conseguiu manter-me curiosa ao longo da leitura desta carta misteriosa.
Adorei! Um livro tão pequeno e tão cheio de emoções. Apesar de ter achado interessante a história narrada, foi todo o trabalho na exploração das emoções da protagonista (e autora da carta) que me cativou, porque me fez sentir próxima da mesma. Acho que para isso contribuiu muito a escolha do autor em contar isto através de uma carta, já que os factos são contados de forma muito mais íntima.
Obviamente que recomendo e irei continuar a ler mais coisas deste autor!

sábado, 25 de maio de 2019

Nossa Senhora de Paris, Victor Hugo

Bem, chegou a altura de tentar escrever alguma coisa com sentido acerca deste grande livro. Decidi lê-lo como forma de me introduzir à escrita do Victor Hugo, de quem tanto quero ler "Os Miseráveis". Sei que terá servido de base para o filme da Disney, "O Corcunda de Notre Dame", mas honestamente se cheguei a ver esse filme, não me lembrava de rigorosamente nada (o que até foi o melhor, porque entretanto já o vi e é bastante diferente da história original).

Ora, como começar? Trata-se de um livro publicado em 1831, mas com a ação a decorrer na cidade de Paris, em meados do século XV. Ou seja, penso que podemos considerá-lo como um livro de ficção histórica e, acima de tudo, como uma homenagem e um reavivar da memória quanto à Paris da Idade Média. Até porque penso que a intenção do Victor Hugo era mesmo essa. Ao ver as diversas mudanças que foram ocorrendo na cidade ao longo dos anos, com a demolição de vários edifícios, as novas correntes artísticas e todos os ataques que foram sendo feitos à Catedral de Notre Dame (que, na altura em que isto foi escrito, estava em risco de demolição), o autor sentiu a necessidade de relembrar como era a capital francesa antes de tudo isto.

Não quero contar muito sobre o enredo, até porque eu própria prefiro entrar nos livros e ir descobrindo a história por mim. Para quem conhece o filme, esqueçam o que viram. A história tem semelhanças, embora a versão da Disney seja muito mais leve, feliz e linear. 

Este é um livro onde é difícil escolher um protagonista, até porque não creio que exista. Temos por um lado a própria Catedral de Notre Dame, que tem um capítulo inteiro a si dedicado (e que eu adorei!) e que assume enorme importância nesta história, dado o papel que tem na vida dos personagens. É lá que vive Quasímodo, que tem com ela uma relação fusional, com os seus sinos e as suas gárgulas. Quasímodo, como sabem, é um homem bastante deformado fisicamente e surdo, tendo sido abandonado quando era ainda um bebé. Contrariamente ao filme, em que o arcediago Cláudio Frollo surge como um vilão horrível desde o início, no livro vemos este homem a querer ajudar e adotar Quasímodo (que, tristemente, fica com este nome por ser quase pessoa). Sensibilizado com o facto de ele próprio e do irmão terem ficado órfãos, salva o bebé Quasímodo do abandono e cuida dele. Daí que, mais tarde, seja tão difícil para Quasímodo lidar com os comportamentos maldosos do arcediago, que ele conheceu como uma pessoa bondosa e generosa.

Além destes, temos também personagens como o Febo, que é um excelente exemplar de péssimo carácter, embora no filme surja completamente diferente; e a Esmeralda, uma cigana que passa os dias a dançar na rua e que tem uma história fascinante no livro e que, provavelmente pelo seu lado mais negro e triste, não foi transmitida no filme. 
O livro começa com as pessoas a preparem-se para assistir a uma peça de teatro, que acaba por nunca ser apresentada, já que lá fora estão a eleger o rei dos bobos (evento que vemos no filme). No meio da algazarra toda, vão surgindo os vários personagens que iremos acompanhar ao longo da história e vamos assistindo à forma como cada um nos é apresentado. Vamos vendo logo por aqui alguma crítica social que o Victor Hugo aproveita para fazer e que vai continuando ao longo do livro e das situações moralmente desafiadoras em que vai colocando as personagens.

O final é completamente arrebatador! No filme vemos algo completamente diferente e quem apenas se baseou nele para conhecer esta história, não imagina como acabam realmente estes personagens... Ah... Ainda sinto a dor daquelas últimas páginas! 

Enfim, adorei este livro! Superou muito as minhas expectativas, embora só tivesse ouvido boas opiniões em relação a ele. Confesso que quando iniciei a leitura, tive algumas dificuldades com a escrita e em perceber o que se estava a passar, visto que entramos assim no meio de uma cena, numa época muito distante, cujos costumes e língua se diferenciam daquilo que melhor conhecemos. Mas essas estranheza inicial rapidamente desaparece, pelo que aconselho a que continuem a insistir, caso sintam o mesmo. Até porque vale muito a pena! Foi uma triste coincidência estar a lê-lo na altura em que a Catedral de Notre Dame teve um incêndio, mas acho que o trabalho que Victor Hugo começou com este livro (que salvou a catedral da demolição!), vai ter sempre a sua continuidade e a catedral vai arranjar sempre maneira de permanecer connosco. Tal como ele próprio diz:


"No rosto desta idosa rainha das nossas catedrais, ao lado duma ruga depara-se-nos sempre uma cicatriz. (...) Cada face, cada pedra do venerável monumento, é uma página, não só da história do país, como também da história da ciência e da arte."

quarta-feira, 8 de maio de 2019

Filmes: Abril


Casablanca (1942)

Este é um clássico que estava na minha lista por ver há imensos anos. A ação decorre durante o período das invasões alemãs, aquando da 2ª Guerra Mundial. Conhecemos a história de um homem americano, o Rick Blaine (Humphrey Bogart), que se refugia em Casablanca (Marrocos), onde abre um bar, por onde passam várias pessoas que procuram a sua ajuda para voarem para Lisboa e daí fugirem para os Estados Unidos. A certa altura, surge neste bar uma mulher do seu passado, a Ilsa Lund (Ingrid Bergman), que vem acompanhada do marido e procura ajuda para ambos fugirem à Alemanha nazi.
Gostei muito do filme e do grande desempenho destes atores, mas a certa altura achei-o um bocadinho lento. Ainda assim, a história é interessante e tem cenas icónicas, algumas delas com diálogos que ficaram para sempre marcados na História do Cinema (ex: "We will always have Paris" ou "Here's looking at you, kid"). Valeu muito a pena, embora não se tenha tornado num dos meus filmes preferidos.




Still Alice (2015)

Já ando para ver este filme desde que saiu, mas fui adiando, talvez por ter uma temática que me é tão sensível. 
Nele conhecemos a Alice Howland (Julianne Moore), professora universitária, com uma vida familiar e profissional confortáveis. No início do filme acompanhamos o seu dia-a-dia, desde as aulas que dá na faculdade, até às suas corridas habituais e jantares com amigos. Até que começamos a perceber com ela, que algo não está bem. A memória começa a pregar-lhe partidas, como se num momento estivesse tudo bem presente, e de repente as palavras, lugares, memórias, se escondessem. Após a realização de alguns exames, aos 50 anos, é diagnosticada com a doença de Alzheimer de início precoce. Daí seguimos a forma como a doença vai evoluindo, qual o seu impacto na vida da Alice, do marido e dos filhos. 
Achei este filme arrebatador e a interpretação por parte da Julianne Moore é irrepreensível. O tema é trabalhado de uma forma respeitadora e delicada. Acho que é um filme difícil de ver, mas ao mesmo tempo é tão importante que seja visto. Hei-de rever, tenho a certeza!



About Time (2013)

Já tinha visto o poster deste filme pela internet e nunca me chamou a atenção, mas recentemente vi uma imagem que juntava no mesmo local em Paris personagens do Midnight in Paris, do Before Sunrise e deste filme. Ora... Tendo em consideração que adoro os outros dois filmes, pareceu-me bem ir ver porque é que este estava junto com eles naquela referência.
Fiz tão bem! Adorei o filme e ainda mais o seu final. Não querendo dizer muito acerca da história, temos como protagonista o Tim Lake (Domhnall Gleeson) que no dia em que faz 21 anos, descobre que os homens da sua família têm a capacidade de viajar no tempo. Eu sei... Soa muito nhé... Mas juro que vale a pena! Esta capacidade é limitada a voltar a momentos já vividos pelo próprio, ou seja, não era possível voltar atrás e matar o Hitler, por exemplo. Neste sentido, Tim vai utilizando este poder conforme lhe faz sentido,  geralmente para modificar pequenos erros ou frases que não devia ter dito. Eventualmente, num blind date, conhece a Mary (Rachel McAdams), por quem se apaixona. A partir daqui, surgem algumas viagens no tempo e as suas consequências, que levam no final a uma conclusão fantástica, que me deixou a pensar e que ficou comigo bem depois do filme ter terminado. Gostei muito e recomendo!



Pára-me de repente o pensamento (2014)

No final do mês, andei com vontade de ver documentários e acabei por escolher este filme português. Já tinha ouvido falar nele há uns tempos, mas nunca mais me tinha lembrado, então quando comecei a ver sabia muito pouco do que se tratava, apenas que tinha a ver com saúde mental. 
Neste documentário realizado pelo português Jorge Pelicano, acompanhamos o dia-a-dia de alguns utentes internados no Centro Hospitalar Conde de Ferreira, uma unidade dedicada à saúde mental, no Porto. Conhecemos algumas pessoas, como passam os seus dias, as relações que estabelecem e as conversas que têm, quase como se estivéssemos ali com eles. A certa altura surge o ator Miguel Borges, que procura inteirar-se da realidade da esquizofrenia para a interpretação de um papel no teatro. A forma como este processo vai decorrendo é fascinante de assistir, principalmente quando surgem as referências a Ângelo de Lima, poeta e pintor, que também ele teve esquizofrenia e cuja obra abre portas a uma melhor compreensão da mente esquizofrénica. Achei um bom documentário, sobre as pessoas que estão lá além da doença. Recomendo especialmente para quem se interessar pelo tema.

sábado, 27 de abril de 2019

Momentos de Aqui, Ondjaki

Já ando há imenso tempo com vontade de conhecer a escrita do Ondjaki, e como este ano decidi começar a esforçar-me por tentar fazer leituras mais diversas (pelo menos em termos geográficos), decidi atirar-me ao Momentos de Aqui, um livro de contos deste autor angolano. Além disso, sendo Abril o mês do #abrilcontosmil, senti que era a altura certa.

Quando partilhei no Instagram que ia começar a ler este livro, alguém me respondeu dizendo que se gostasse de Ondjaki, teria que ler também Mia Couto, porque iria adorar. Ora, Mia Couto é outro autor que também já quero conhecer há anos e é ele quem assina o prefácio deste livro, que eu adorei. E pronto... Agora tenho mais dois autores que quero muito ler!
Isto, porque adorei este livro do Ondjaki! Não tenho tido uma relação muito fácil com contos, porque sinto sempre que ficam aquém e algumas das antologias que li até hoje acabam por ter muito pouca coisa de que possa realmente dizer que gostei. Certamente que tenho andado atrás dos livros de contos errados para mim. 


Por tudo isto, comecei a ler este livro com algum receio de ser mais um que me passasse completamente ao lado, mas enganei-me. Adorei logo o primeiro conto! Não vou mentir e dizer que gostei de todos, porque sendo uma antologia, há sempre alguns que não têm tanto impacto, mas o saldo é muito positivo. Deixou-me cheia de vontade de ler mais coisas do autor!
Há contos sobre a guerra e o que fica depois dela, sobre a saudade, a infância e a velhice, o passar do tempo e o luto. Há contos sobre simples momentos, como o primeiro, que envolve o mar, a paz e liberdade do horizonte e que consegue fazer com que nós, leitores, estejamos lá também com os personagens, a sentir o que eles sentem. É incrível! A impressão com que fiquei, de maneira geral, é que ele nos conta histórias muito sensoriais, ou seja, transmitindo-nos cheiros, imagens, sons, que se tornam muito palpáveis durante a leitura. São histórias que mexem com as nossas emoções e de formas diferentes, fazendo-nos sentir calmos ou tristes, nostálgicos, zangados, ou até que nos fazem rir (ex: "Uma barriga natural mesmo").

Acho que dá para perceber que recomendo muito, não dá?

sábado, 20 de abril de 2019

Sobre os Muggles Que Não Receberam a Carta e Ficaram Ressabiados

São várias as pessoas com quem já surgiu este tema de conversa e de ambos os lados da questão. Já ouvi dizerem que não percebem quem gosta de fantasia, "mesmo já tendo atingido a idade adulta", e também já ouvi amantes de fantasia (e livros YA) dizerem que sentem um certo preconceito por gostarem deste tipo de histórias.
Eu gosto de alguns livros de fantasia e gosto também de livros de outros géneros, então hoje decidi trazer esta reflexão aqui para o blog. Acima de tudo, sou da opinião de que o que importa é que a pessoa leia aquilo de que gosta. Aliás, sinto que muitas pessoas só não se dedicam mais à leitura, porque ainda não descobriram que tipo de livros lhes dão mais gozo ler.

Há uns tempos, pensei aqui sobre a hesitação que muitas pessoas sentem em relação aos livros clássicos, dadas as ideias pré-concebidas que têm (e.g. serem aborrecidos, desatualizados, com linguagem difícil). Mas por outro lado, há também quem diga não entender a preferência por livros de fantasia, também por causa das ideias que têm em relação a estes. Dizem que nos livros de fantasia, predomina uma realidade que não existe e que essa busca por entrar num mundo diferente, com criaturas mágicas e poderes sobrenaturais, é algo que deve ser remetido à infância e à adolescência, como se de um amigo imaginário se tratasse. (Ide ver o Inside Out e voltem aqui para me dizer se ainda querem ver o vosso amigo imaginário pelas costas!)

Esta ideia, para mim, não faz sentido (e não é por causa da minha nostalgia da infância). É mesmo porque já li livros de fantasia muito bons, que me sugaram para dentro deles com a mesma veemência que o Tom Riddle puxou o Harry para dentro do seu diário (#thingsmuggleswontunderstand). Há quem tenha a ideia de que estes livros são de qualidade inferior, que são feitos apenas para crianças ou adolescentes, com ideias tão básicas que fariam revirar os olhos a qualquer pseudo-intelectual. Mas pelo contrário, a construção de muitos destes mundos de fantasia é extremamente complexa e, contrariamente ao que muitas vezes se lhes associa, nem sempre temos como protagonista uma criança ou adolescente. É claro que lemos, por exemplo, Harry Potter e não vamos encontrar ali a explicação para a origem do universo, mas a vida não é só isso, certo?

Acho que também depende muito daquilo que cada um procura nos livros. Estão a ler porquê? Só consigo responder por mim. Leio porque me relaxa e me dá muito gosto. Leio porque quero saber mais, porque conhecimento é poder e aprendo sempre qualquer coisa em cada livro, sejam isso factos, vocabulário, histórias, maneiras de sentir, locais diferentes e episódios históricos. Leio porque gosto de ser transportada para outra realidade, seja ela equivalente ao mundo em que habito ou não, porque isso me permite cultivar a minha imaginação e conhecer sítios e situações que de outra forma dificilmente conheceria. Leio porque gosto de ouvir histórias, de conhecer um bocadinho mais do outro e ir além de mim mesma.

Olhando para isto, os livros de fantasia que tenho lido até aqui (e ainda tenho um monte por ler!), preenchem muitos dos requisitos que me fazem gostar de ler. Além de me ajudarem a desenvolver a imaginação e criatividade, levam-me a conhecer histórias noutras realidades, o que me relaxa, porque faz com que me envolva mais facilmente na história e me distraia do que se passa à minha volta. (Quem nunca quis ignorar um bocadinho o mundo em que vive, as responsabilidades e os prazos, que atire a primeira pedra!) Depois o facto do autor ter escolhido transmitir a sua mensagem através dos moldes da fantasia, não significa que não tenha coisas importantes a dizer. Até porque há temas universais, que estão também presentes nestas histórias. 

E depois há histórias que merecem ser contadas só porque entretêm. Há pouco tempo, estive na apresentação do livro "Estar Vivo Aleija", do grande Ricardo Araújo Pereira, e ele falou do papel que o humor tem em nos ajudar a lidar com o facto de sabermos da nossa mortalidade. Sabemos que vamos morrer, mas até lá vamos então aproveitar e rir-nos um bocadinho disto. Penso o mesmo dos livros que nos entretêm. O que importa é que sejam uma boa companhia enquanto por cá andamos. Se a pessoa é feliz a ler ensaios filosóficos, políticos e astrocenas, que seja. Se é feliz a ler livros de fantasia, romances românticos, ficção científica, ... Que seja.

sexta-feira, 12 de abril de 2019

Uma Cana de Pesca Para o Meu Avô, Gao Xingjian

Faz parte da minha personalidade esta vontade de querer conhecer sempre mais, de querer explorar novos autores, novas histórias, novos géneros literários. Por isso é que tenho tentado explorar um bocadinho mais a poesia e os livros de contos, e também por isso é que decidi ver de que países eram os autores dos livros que tenho andado a ler (aqui).
Foi neste sentido que decidi conhecer este autor, o Gao Xingjian, vencedor do Prémio Nobel da Literatura em 2000. Até aqui nunca tinha lido qualquer obra de autores chineses, então decidi aproveitar para o fazer através deste pequeno livro de contos, cujo título provém de um desses contos, o Uma Cana de Pesca Para o Meu Avô
Geralmente gosto muito de ter um livro assim como leitura secundário, para ir lendo um conto de vez em quando ou uma crónica ou um poema. Mas com este livro a experiência foi penosa. Apesar de ter menos de 100 páginas e dos textos serem curtos, dado que são pequenas histórias, demorei imenso para o ler e raramente tinha vontade de lhe pegar.
Inicialmente estava bastante entusiasmada com a leitura e quando soube que era um autor premiado, ainda aumentei mais as minhas expectativas, embora as fracas pontuações no Goodreads devessem ter feito soar os alarmes.
Este livro é composto por seis contos, dos quais gostei mais ou menos de um e gostei realmente de outro. Quanto aos restantes, senti que foram uma perda do meu tempo... Falando daquele de que gostei bastante, "A cãibra", que é o terceiro e me fez ganhar esperança, senti que o autor foi muito bem conseguido. Nesse conto temos como cenário a praia e um homem que entra no mar ao final da tarde e que a certa altura têm uma cãibra, que lhe dificulta a saída do mar. É uma ideia muito simples, mas que foi escrita de uma forma muito envolvente, que me fez sentir ansiosa, como se eu própria estivesse naquela situação aflitiva. É um homem a tentar sair do mar, com o céu a escurecer, sem ninguém que o veja e tente ajudar e sem ele próprio se conseguir mexer em condições. Isto podia perfeitamente sair do repertório de pesadelos de alguém!
Quanto ao outro conto do qual gostei mais ou menos, "O acidente", nele debate-se a indiferença perante um acidente, em que uma pessoa é morta por atropelamento no meio de uma cidade movimentada. Apesar de ter achado alguns aspetos interessantes, não adorei este conto.
Relativamente aos outros, apenas os li com esperança de chegar ao final com um saldo positivo e de maneira a ter uma opinião o mais completa possível quanto a este livro. Na verdade não me arrependo de o ter feito, porque até gostei de algumas ideias e frases, mas não é um livro que recomende.
Parece-me que também tenho dificuldades em encontrar livros de contos de que goste, então aceitam-se sugestões!

sábado, 6 de abril de 2019

Filmes: Minimal March

Este mês de Março acabei por ver menos filmes, provavelmente porque passei mais tempo com livros e séries, mas também porque com o bom tempo, passei menos domingos fechada em casa com filmes. Vi apenas três, dos quais vou falar um bocadinho.



O primeiro filme que vi foi o Reality Bites (1994), que já estava na minha lista para ver há muitos anos. Gosto muito da Winona Ryder e queria ver este filme principalmente por causa dela. Comecei sem saber do que se tratava e apercebi-me de que foi o filme certo para ver no momento em que me encontro. Nele acompanhamos um grupo de amigos, depois de terminarem o seu percurso universitário. Por isso, vemos como cada um procura seguir os seus sonhos, os desafios associados à entrada no mundo do trabalho, as dificuldades e os dilemas entre aquilo de que se gosta e aquilo de que se precisa. Além disso, vemos também como é que se desenvolvem as relações entre eles.

Não é o melhor filme que vi em toda a minha vida, mas foi bom para me entreter. É um típico filme dos anos 90, com pouco mais de hora e meia, sendo que uma boa parte foi gravada como um documentário caseiro.
P.S.: Procura-se pessoa para recriar esta cena.

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Depois disto, decidi ver outro filme que também já queria ver há muito tempo, o Tomboy (2011). Neste filme temos uma família  com duas crianças (a Laure com 10 anos e a Jeanne com 6) que se muda para outro bairro durante o Verão.
Não conhecendo ninguém, a Laure vê algumas crianças brincarem na rua e decide aproximar-se delas. Tendo ela o cabelo curto e usando roupas "menos femininas", é imediatamente confundida com um rapaz, o que ela não rejeita, apresentando-se como Mickael. Ao longo do resto deste curto filme vamos acompanhando a Laure/Mickael enquanto ela explora a sua identidade de género.

Gostei mesmo muito deste filme e fez-me pensar no papel dos rótulos e no seu impacto na pessoa e nos que estão à sua volta. Tem uma imagem muito bonita e passa-se quase todo na perspetiva das crianças. A relação entre estas duas irmãs foi provavelmente o meu aspeto preferido.

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Por fim, o último filme que vi em Março foi um bastante recente, Searching (2018). Apetecia-me ver qualquer coisa que me entretivesse e algo diferente do meu habitual, neste caso, um thriller ou algo do género. Tenho uma longa lista de filmes desse género recomendados, mas acabei por pegar logo neste. Serviu o seu propósito, embora eu não tenha gostado do final. Ainda assim, até mais ou menos metade do filme, estive bastante envolvida.
Basicamente, esta história é-nos contada exclusivamente através do computador do protagonista, ou seja, através daquilo que vai aparecendo no seu ecrã, seja isso uma janela com e-mails, conversas, fotografias, etc. Este protagonista é um homem, que vivia com a mulher e uma filha, até que a mulher morre (não é spoiller! É logo no início do filme!). Depois disto vamos acompanhando mais ou menos o seu processo de luto e vamos vendo as conversas que vai tendo com a filha, até que a certa altura esta desaparece. Ou melhor, não aparece em casa depois de uma sessão de estudo em casa de uns amigos. Depois disto acompanhamos toda a sua procura pela filha, que é feita, além do recurso às autoridades policiais, também muito autonomamente, através dos contactos e das redes sociais da filha.

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quarta-feira, 3 de abril de 2019

Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios, Marçal Aquino

Bem, vamos lá então falar sobre Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios, de Marçal Aquino, que além de mim e mais meia dúzia de pessoas, ninguém parece conhecer em Portugal. Uma youtuber, com cujo gosto me identifico bastante, falou há uns tempos deste livro e falou tão bem, que assim que o vi à venda por cá, tive que o trazer para casa (até porque não é nada fácil de encontrar!). Geralmente isto não me acontece, mas ela comparou-o aos livros do Bukowski e eu fiquei com a pulga atrás da orelha.

Resumindo, a história passa-se na zona do Pará (Brasil), é-nos contada através da perspetiva do protagonista masculino e é logo desde o primeiro capítulo que sabemos que não podemos esperar dela um final feliz.
Apesar de termos uma linha narrativa principal, com a história do nosso protagonista, pela forma como o livro foi escrito, vamos conhecendo também outras histórias, sempre com um constante balançar entre tempos e espaços. Este recurso a analepses e prolepses às vezes pode dificultar o entendimento da história, por se tornar muito confuso (como eu senti que aconteceu neste livro), mas neste caso foi muito bem feito. Cada cena vai surgindo de forma muito fluída e vamos acompanhando os personagens quase como se estivéssemos a assistir a um filme (que existe e quero muito ver!).
A história é contada na perspetiva do Cauby, um homem fotógrafo que no momento presente se encontra hospedado num motel, onde passa bastante tempo a ouvir as histórias de um velho homem careca, principalmente a história do amor da sua vida, Marinês, por quem mudou completamente de vida. Esta é uma das narrativas paralelas que vamos acompanhando e eram momentos aos quais gostava sempre de voltar ao longo do livro. Ao mesmo tempo em que isto vai acontecendo, vai-nos sendo contada a própria história do Cauby, que se vai lembrando de como tudo aconteceu até ele ir ali parar.
Percebemos que, durante uma visita à loja de fotografia local, Cauby conhece Lavínia, uma jovem bem mais nova que ele e que é a modelo de uma fotografia ali exposta. Apaixonam-se imediatamente um pelo outro, o que é o único aspeto deste livro de que eu menos gostei, porque tendo a ter dificuldades em acreditar nestas paixões imediatas. Contudo, isto surge logo no início do livro e, com o passar das páginas, a relação é muito bem desenvolvida, assim como cada personagem.
Esta é uma história de amor que, na minha opinião (especialmente pela forma tão bonita como foi escrita), não cai no "vulgar". É uma história intensa, não fosse também a Lavínia a mulher explosiva que é. Acho que, agora que a conheço bem, posso dizer que é uma verdadeira personificação da instabilidade emocional! Apesar de ser bem mais nova que o Cauby, esta mulher tem um passado incrivelmente pesado e que vamos conhecendo com o avançar do livro. Com um historial de prostituição, é retirada das ruas por um homem, pastor da igreja local, por quem se apaixona e com quem casa. É neste contexto que conhece Cauby e, como podem já adivinhar, é esta uma questão importante no desfecho desta história, embora não nos moldes que podem estar a prever.

Devo dizer que devorei este livro numa semana (eu, que sou uma slowreader). Inicialmente fez-me alguma confusão a tal questão da paixão repentina, mas isso foi-se desvanecendo, conforme os fui conhecendo. Adorei passar tempo com estes personagens e quando cheguei ao final do livro, apercebi-me da grande história que me tinham acabado de contar. Não se tornou no melhor livro da minha vida, mas foi uma boa experiência com um autor brasileiro contemporâneo, do qual nunca tinha ouvido falar. É um livro quente e húmido, como imagino o Brasil. Gostei muito e recomendo a quem quiser conhecer a relação desta duas pessoas, contada de uma forma muito bonita, poética e crua.

sábado, 23 de março de 2019

1984, George Orwell

Era uma falha gigante na minha vida, o facto de nunca ter lido o 1984, de George Orwell. Li há uns tempos o Animal Farm também deste autor e gostei muito. Assim sendo, decidi pegar nele este ano.
A sua leitura foi sempre muito fluída, mesmo nas partes que eu (erradamente) antevia que pudessem ser aborrecidas. Além disso, faz-nos pensar em muita coisa. Dei por mim a parar para falar sozinha várias vezes!

Primeiro, importa dizer que este livro é uma distopia (a mais conhecida, provavelmente), ou seja: contrariamente às utopias, neste caso temos o retrato de um mundo caracterizado pela opressão, totalitarismo, pelo endeusamento da autoridade, pela falta de liberdade, de pensamento crítico e do direito à individualidade, pelo controlo e pela utilização da tecnologia para esses mesmos fins.

Este livro foi publicado em 1949 e retrata uma sociedade imaginada por G. Orwell em 1984. Passa-se naquilo que seria o território inglês, embora neste livro o mapa geográfico não corresponda ao que conhecemos.

Esta sociedade é governada pelo Grande Irmão (sim, Big Brother, aquela casa onde eles eram vigiados o tempo todo - não foram eles que tiveram a ideia!). Não lhe conhecemos outro nome e nunca o chegamos a encontrar fisicamente nesta história. Além desta entidade, temos depois vários ministérios, cujos nomes correspondem à antítese daquilo que lá se pratica (e.g. Ministério do Amor, onde torturam pessoas; Ministério da Verdade, onde transformam a mentira em verdade e vice-versa). Além destas temos a Polícia do Pensamento, que persegue os crimepensantes (palavra da novilíngua - adaptação da língua original para uma mais simples, com pouco vocabulário, menos adjetivos e menos espaço para o pensamento e a expressão de ideias divergentes).

O nosso protagonista é o Winston, um homem que trabalha no Ministério da Verdade, onde tem tarefas diárias como ir aos arquivos da imprensa alterar certos textos incluídos em edições de jornais do passado, de maneira a que façam sentido com o presente. Por exemplo, se no atual momento temos o governo a reduzir a quantidade a ser distribuída de um certo alimento (de 3 para 2 pacotes), é necessário ir à edição do jornal em que foi dito que tal não iria acontecer e alterar essa informação, por exemplo, dizendo que iriam aumentar (de 1 para 2 pacotes). Desta forma, não só se evitava a exaltação de ânimos, visto que não se poderia dizer que o Estado estava a fazer o contrário do que prometera, como ainda dava a impressão da situação estar a melhorar e do Grande Irmão ser bastante confiável e generoso.

Este livro ainda hoje anda na minha cabeça e lembro-me frequentemente dele. Cada vez mais acho que será dos poucos que irei reler. Esta característica do emprego de Winston deixou-me a pensar. É uma ideia muito interessante (e assustadora), esta possibilidade de alterar aquilo que damos por inalterável: o passado. No livro são feitas algumas reflexões quanto a isso mesmo. A História é aqui diariamente alterada. Os livros são modificadas e tudo fica de acordo com aquilo que é desejado para evitar que as pessoas pensem pelas suas próprias cabeças. Há um ideal a ser transmitido, um modo de vida e um conjunto de ideias, ficando o mundo destas pessoas restringido a isso mesmo.
São definidos três lemas para esta sociedade e inicialmente quando os li deixaram-me intrigada. São eles: Guerra é Paz; Liberdade é Escravidão; e Ignorância é Força. Não entrarei em detalhe sobre cada um, mas devo dizer que o primeiro sempre foi o que mais me fez confusão, dado não conseguir entender como é que aquilo poderia fazer sentido para alguém (os outros também não, mas com o que sei de governos totalitários, consigo entendê-los melhor). Ao longo da leitura, compreendi do que se tratava e de como a manutenção de uma guerra, seja ela real ou não, poderá permitir a paz interna num país.

Muitas destas ideias doentias podem ser vistas à luz da teoria de Maslow e a sua pirâmide das necessidades! Se mantivermos as pessoas no nível das necessidades mais básicas (e.g. alimentação, questões de sobrevivência), elas não darão importância nem procurarão atingir necessidades mais elevadas (e.g. relações pessoais significativas, autoestima, criatividade e realização pessoal). Tudo isto protege a estabilidade de um governo e ajuda a que aqueles que estão no poder, lá se mantenham e sem grande alarido.


Outro aspeto interessante é que, neste sítio, as pessoas que começam a desviar-se da lente opressora do governo (literalmente, visto que eles têm telecrãs - televisões com câmaras - e microfones), não são executadas em praça pública. Essas pessoas simplesmente desaparecem e esta é uma ideia bem desenvolvida neste livro, nomeadamente o porquê disto ser feito assim. Essas pessoas não podem ser olhadas por alguém como mártires, porque a partir do momento em que são apanhadas, é como se nunca tivessem existido. Além disso, é muito provável que no momento da sua morte, já tenham abdicado genuinamente de todas as suas convicções anteriores.

Infelizmente, é impossível não comparar esta sociedade de 1984 com alguns aspetos da sociedade de 2019, especialmente se olharmos para a questão das fake news, para a forma como os nossos dados são tratados e para como acabamos por ter também um Big Brother a seguir os nossos passos (quer através das autorizações que damos às aplicações nos nossos telemóveis, quer através daquilo que nós próprios publicamos).

 RESUMO PARA OS MAIS PREGUIÇOSOS: 

Isto tudo para dizer que adorei este livro e que, no meu caso, sinto que se vai tornando cada vez melhor com a distância, porque continua a fazer-me pensar, mesmo depois de já estar fechado. Lá está, há quem diga que um clássico é um livro que nunca acabou de dizer aquilo que tinha para dizer! Este é um grande exemplo disso mesmo. Se ainda não leram, leiam! Vale muito a pena e lê-se muito bem.

sexta-feira, 15 de março de 2019

Livros do Mundo #1: Escócia

Não sei quando será a próxima, mas decidi que sempre que viajar, irei comprar um livro de um autor com nacionalidade do país que estiver a visitar. Assim, uma das coisas que planeei para a minha viagem a Edimburgo, foi a minha wishlist de autores escoceses e algumas obras que pela sinopse me pareceram interessantes. Esta lista era composta por autores mais clássicos e outros mais contemporâneos. Pena que me tenha esquecido dela em Portugal... Já leram alguns?
  • Walter Scott (Ivanhoe, 1819)
  • Robert Louis Stevenson (The Strange Case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde, 1886)
  • Arthur Conan Doyle (A Study in Scarlet, 1887)
  • J. M. Barrie (Peter Pan, 1904)
  • Lewis Grassic Gibbon (Sunset Song, 1932)
  • Muriel Spark (The Prime of Miss Jean Brodie, 1961)
  • Irvin Welsh (Trainspotting, 1993)
  • Ali Smith (The Accidental, 2005)
Obviamente que, no meio dos meus planos para esta viagem, também incluí algumas idas a livrarias e só tenho pena de não ter tido mais tempo para as explorar ainda melhor. No meio de tanta coisa que queríamos ver e fazer, acabei por só conseguir visitar três.


  • Waterstones, que tem vários pisos, com livros para todos os gostos, uma secção de papelaria e merchandise livrólico (sim, há muito Harry Potter!) e uma secção de livros infantil adorável. Uma das razões para a querer visitar é a vista que tem para o castelo e para os jardins da Princes Street. É das vistas mais bonitas e era o sítio onde provavelmente passaria mais tempo, caso vivesse em Edimburgo. Foi a livraria de que gostei mais e tornou-se na minha preferida de todas onde já entrei.


  • Blackwell's Bookshop, uma livraria mesmo perto do National Museum of Scotland (um dos meus sítios preferidos da cidade). Tive que me controlar bastante porque tem imensos livros, com grande variedade, preços bem tentadores e promoções que ainda hoje me perseguem em sonhos (conseguia comprar três livros novos pelo preço de um em Portugal............). Naquele momento estávamos com pressa para ainda aproveitarmos algum tempo no museu, porque caso contrário, acho que ainda hoje lá estava.



  • Armchair Books, paragem obrigatória para qualquer livrólico. Fica perto de Grassmarket e é das livrarias mais conhecidas da cidade. Entramos pela porta e damos logo com os estreitos corredores, que fazem com que esta livraria pareça mais pequena do que na realidade é. Tem vários corredores, levando-nos num pequeno labirinto apetrechado de livros usados de cima a baixo. Encontram nela uma grande variedade, com livros de géneros diferentes; está cheia de relíquias e de livros a preços muito bons. Das três, foi aquela onde passei mais tempo e a única onde comprei livros. As estantes estavam repletas de livros desejados, a esticarem as mãozinhas para mim e ter que os abandonar foi de partir o coração.


Passando então para o que trouxe comigo, acabei por não encontrar exatamente os livros que queria. Além disso, não tinha muito espaço na mochila para voltar para Portugal carregada de livros e também não me sentia bem a gastar muito dinheiro (depois de ter pago 9,99£ pela mini pilha banhada em ouro para a minha máquina fotográfica - ainda não ultrapassei o trauma). Já tinha decidido que só iria comprar no máximo dois ou três livros e ia com a ideia de comprar um autor mais clássico e outro mais contemporâneo (especialmente Ali Smith, que tenho imensa curiosidade!). Acabei por comprar apenas dois livros, na Armchair Books: The Hound of The Baskervilles, do Sir Arthur Conan Doyle (5º livro com o Sherlock Holmes) e o A Far Cry from Kensington, da Muriel Spark. Não encontrei nesta livraria nada da Ali Smith (ninguém se desfaz dos livros dela, estou a ver!) e não encontrei exatamente os livros que queria, mas vim muito satisfeita. Nunca li nada destes autores, então estou muito curiosa. Veremos se fiz boas escolhas! (Acredito que sim)



sábado, 9 de março de 2019

Filmes: F is for Female

Chegou a altura de pensar sobre os filmes que vi em Fevereiro. Isto levou-me a perceber que sem querer, à excepção do primeiro, apenas vi filmes com protagonistas mulheres e todos eles filmes de época! Não fiquei extremamente surpreendida, porque é o tipo de filmes que gosto de ver, mas é curioso só ter visto isto durante este mês. A única excepção foi o Fantastic Beasts: Crimes of Grindelwald, mas nem o incluo neste balanço, porque já o tinha visto em Novembro. 

Bem, nós aqui já sabemos como é que isto funciona. Na altura dos Oscars, queremos sempre ver uma série de filmes que estão nomeados, mas depois acabamos por ver só um ou dois... Este ano não senti muita vontade de correr atrás de quase nenhum, mas um dos que me despertou curiosidade foi...


... A Favorita. É do Yorgos Lanthimos, realizador do filme The Lobster, do qual gostei muito. Atirei-me de cabeça a este filme, sem saber grande coisa e fui muito surpreendida. Sabia que a história envolvia uma competição entre duas jovens pela atenção da rainha, mas acabou por ser mais do que isso. 
Achei a personagem da rainha Anne, brilhantemente interpretada pela Olivia Colman, extremamente interessante, especialmente por não corresponder àquilo que se esperaria de uma rainha, alguém forte, ponderada e com capacidade para liderar. Por outro lado, vemos uma pessoa infantil, doente, irritável (e irritante), bastante influenciável e sem capacidade (nem, provavelmente, vontade) para liderar. Quem acaba por ter esse papel é Lady Marlborough (Rachel Weisz), uma espécie de dama de companhia/conselheira/parasita/amante nos tempos livres. Vivem bem com isso e os seus mil coelhos, com a Lady Marlborough a conseguir o que quer, até que chega Abigail Hill (Emma Stone), uma prima de Lady Marlborough, que entra em competição pela amizade e atenção da rainha. Achei que o filme explora bem a personalidade das personagens, dando-nos uma visão mais profunda destas pessoas e fazendo-nos acreditar nelas e entender melhor os seus comportamentos. Gostei muito!



Numa das publicações recentes, mencionei o Jane Eyre e isso deixou-me com saudades do livro e lembrou-me que nunca cheguei a ver qualquer uma das suas adaptações cinematográficas. Foi desta! Vi o filme de 2011, do realizador Cary Joji Fukunaga, com a bonita Mia Wasikowska a interpretar a grande Jane. Adorei! Foi muito bom poder voltar a esta história, que me deixou ainda com mais vontade de reler o livro.
Passa-se em Inglaterra, na época vitoriana e conta a história da Jane Eyre, uma criança orfã que ficou ao cuidado de uns tios. Depois da morte do tio, Jane acaba por sofrer muito nas mãos dos primos e da tia e depois de um conflito, é enviada para Lowood, uma escola muito rigorosa e onde é apresentada como uma criança mal comportada e mentirosa, devendo as outras afastar-se dela. Depois de tudo isto, acompanhamos a Jane na sua ida para Thornfield Hall, de maneira a ser percetora de uma criança. É aqui que se passa a maior parte da ação do filme, onde conhecemos o Mr. Rochester (Michael Fassbender) e onde vemos a personalidade forte da Jane, especialmente em certas decisões que acaba por tomar.
Recomendo mesmo muito este filme. Deixou-me completamente agarrada à história e cheia de vontade de reler o livro, desta vez em inglês.


Fevereiro foi o mês em que fui a Edimburgo, então decidi fazer o trabalho de casa e aproveitar o lançamento recente do filme Mary Queen of Scots, realizado pela Josie Rourke. Apesar de ter achado o filme interessante, não o recomendaria a qualquer pessoa. Dá-nos a conhecer a história desta figura tão importante para a História da Escócia, nomeadamente a sua relação com a rainha de Inglaterra, Elizabeth I (Margot Robbie). Ainda assim, e por isso é que não recomendaria a toda a gente, acho que é importante saber alguma coisa sobre ela antes de se começar a ver o filme. Caso contrário, provavelmente vai parecer muita informação estranha e sem sentido.
O filme capta o momento em que a Mary (Saoirse Ronan) volta à Escócia, depois de ter vivido, casado e enviuvado em França, regressando ao trono enquanto legítima herdeira. Neste período, a Escócia e a Inglaterra ainda andam aos xutos e pontapés, implicando uma com a outra por exemplo por questões religiosas (catolicismo vs. protestantismo). Querendo ocupar o trono de Inglaterra, Mary torna-se numa ameaça para Elizabeth, nomeadamente dada a falta de herdeiros e o apoio dado a Mary, especialmente pelos católicos ingleses. A isto seguem-se uma série de traições, reviravoltas e esquemas, mesmo típicos destas histórias. Recomendo a quem tiver vontade de conhecer esta história.


Por fim, fechei o mês com Colette, um filme recente do mesmo realizador do Still Alice (Wash Westmoreland), que nunca cheguei a ver mas do qual ouvi falar muito bem. Vi várias pessoas elogiarem este novo filme com a Keira Knightley e fiquei com curiosidade, sabendo apenas que era um filme sobre a história de uma escritora francesa.
Conhecemos a história desta mulher que vivia com os pais, numa casa modesta numa zona rural de França, até que casa com Willy (Dominic West), um "escritor", e entra na grande cidade de Paris. Está entre aspas, porque na verdade ele apenas assinava os livros, alimentando-se da escrita de outros. Eventualmente, também Colette se torna num dos seus ghost writers. Inicialmente, isto é para ela uma oportunidade de escrever, retirando prazer disso mesmo, até que se torna numa espécie de escrava, sem qualquer reconhecimento, embora os seus livros se tornem grandes sucessos.
Com o decorrer do filme, vemos a Colette a mudar e a sair do seu casulo, ganhando mais confiança em si e libertando-se daquilo que o marido (e a sociedade) lhe vai impondo, de maneira a ser ela própria e fazer aquilo em que acredita, por si e para si.
É um filme com uma personagem forte e inspiradora. Nunca li nada desta escritora e nunca tinha sequer ouvido falar dela, mas fiquei com alguma curiosidade. Gostei muito.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Davam Grandes Passeios aos Domingos enquanto Bebiam Gin-Tonic

Tinha pensado em não escrever a minha opinião sobre estes dois livros, mas decidi que era útil fazê-lo, principalmente por causa da minha memória de peixe, que agradece muito o trabalho que lhe facilito sempre que eu escrevo sobre os livros que leio.

C O N T O S   D O   G I N - T O N I C

Já andava há algum tempo à procura de uma edição dos Contos do Gin-Tonic, do Mário-Henrique Leiria, mas este livro já não é editado em separado. Atualmente temos uma edição com toda a ficção deste autor, incluindo os contos deste livro, mas para mim não compensava o investimento, já que apenas queria perceber se gostava desta obra específica. Até que encontrei uma única edição perdida nas estantes da biblioteca, por requisitar desde há dez anos. Trouxe-o logo comigo! Era desta que ia ler os Contos do Gin-Tonic! 

Sendo um livro de contos, fui lendo aos poucos, enquanto acompanhava com outras leituras. É um livro muito curtinho, com a maioria dos contos a ocupar apenas uma, duas ou três páginas, então lê-se bastante depressa, embora a certa altura desesperasse por chegar ao seu final. Não desisti da leitura, porque não é costume e porque, sendo um livro de contos, estava sempre à espera que o próximo fosse melhor. Não posso dizer que não gostei deste livro, apenas que ficou aquém das minhas expectativas. Não sei bem o que esperava dele, mas a maioria dos contos foi-me indiferente, embora tenha gostado bastante de alguns. São feitas muitas referências sociais e políticas, nomeadamente à guerra colonial, o que me deixou a pensar como é que este livro terá passado na censura. Dos contos de que gostei, alguns muito desenháveis, destaco o facto de serem surrealistas, de nos fazerem sentir que espreitamos para dentro de um sonho e o recurso ao humor, muitas vezes negro. Mesmo não tendo adorado, foi uma boa experiência.


D A V A M   G R A N D E S   P A S S E I O S   A O S   D O M I N G O S

Numa outra ida à biblioteca, com o propósito de explorar um bocadinho mais o mundo da poesia, acabei por trazer comigo um livro de prosa do português José Régio, de quem apenas conhecia alguns poemas. Trouxe o Davam Grandes Passeios aos Domingos, uma pequena novela com menos de 100 páginas, inicialmente com a ideia de o tentar ler em 24 horas e participar no projeto da Silvéria. A vida meteu-se no meio e demorei um bocadinho mais a lê-lo do que tinha planeado, mas foi uma leitura muito prazerosa
Sendo muito curto, não vou dar muitos detalhes, para não estragar a experiência de quem o queira ler. Trata-se da história de Rosa Maria, uma jovem que se muda para Portalegre para viver com uma tia rica, depois da morte da mãe. Ao longo destas curtas páginas vamos conhecendo esta protagonista insegura e vamos acompanhando a forma como se está a adaptar à sua nova vida. Atravessamos com ela os dias nostálgicos, em que vê pela janela a paisagem alentejana e relembra os dias passados com a mãe; mas também os dias em que tem que se embrenhar na cultura pseudo-aristocrática, movida pelas aparências e pelas mesquinhices. Aqui pelo meio conhecemos também uma paixão confinada apenas às paredes da existência de Rosa Maria e vemos a forma como esta lida com tais sentimentos. A minha veia trágica esperava um final diferente e embora não tenha sido um livro extremamente marcante, gostei da sua leitura.