Bem, chegou a altura de tentar escrever alguma coisa com sentido acerca deste grande livro. Decidi lê-lo como forma de me introduzir à escrita do Victor Hugo, de quem tanto quero ler "Os Miseráveis". Sei que terá servido de base para o filme da Disney, "O Corcunda de Notre Dame", mas honestamente se cheguei a ver esse filme, não me lembrava de rigorosamente nada (o que até foi o melhor, porque entretanto já o vi e é bastante diferente da história original).
Ora, como começar? Trata-se de um livro publicado em 1831, mas com a ação a decorrer na cidade de Paris, em meados do século XV. Ou seja, penso que podemos considerá-lo como um livro de ficção histórica e, acima de tudo, como uma homenagem e um reavivar da memória quanto à Paris da Idade Média. Até porque penso que a intenção do Victor Hugo era mesmo essa. Ao ver as diversas mudanças que foram ocorrendo na cidade ao longo dos anos, com a demolição de vários edifícios, as novas correntes artísticas e todos os ataques que foram sendo feitos à Catedral de Notre Dame (que, na altura em que isto foi escrito, estava em risco de demolição), o autor sentiu a necessidade de relembrar como era a capital francesa antes de tudo isto.
Não quero contar muito sobre o enredo, até porque eu própria prefiro entrar nos livros e ir descobrindo a história por mim. Para quem conhece o filme, esqueçam o que viram. A história tem semelhanças, embora a versão da Disney seja muito mais leve, feliz e linear.
Este é um livro onde é difícil escolher um protagonista, até porque não creio que exista. Temos por um lado a própria Catedral de Notre Dame, que tem um capítulo inteiro a si dedicado (e que eu adorei!) e que assume enorme importância nesta história, dado o papel que tem na vida dos personagens. É lá que vive Quasímodo, que tem com ela uma relação fusional, com os seus sinos e as suas gárgulas. Quasímodo, como sabem, é um homem bastante deformado fisicamente e surdo, tendo sido abandonado quando era ainda um bebé. Contrariamente ao filme, em que o arcediago Cláudio Frollo surge como um vilão horrível desde o início, no livro vemos este homem a querer ajudar e adotar Quasímodo (que, tristemente, fica com este nome por ser quase pessoa). Sensibilizado com o facto de ele próprio e do irmão terem ficado órfãos, salva o bebé Quasímodo do abandono e cuida dele. Daí que, mais tarde, seja tão difícil para Quasímodo lidar com os comportamentos maldosos do arcediago, que ele conheceu como uma pessoa bondosa e generosa.
Além destes, temos também personagens como o Febo, que é um excelente exemplar de péssimo carácter, embora no filme surja completamente diferente; e a Esmeralda, uma cigana que passa os dias a dançar na rua e que tem uma história fascinante no livro e que, provavelmente pelo seu lado mais negro e triste, não foi transmitida no filme.
O livro começa com as pessoas a preparem-se para assistir a uma peça de teatro, que acaba por nunca ser apresentada, já que lá fora estão a eleger o rei dos bobos (evento que vemos no filme). No meio da algazarra toda, vão surgindo os vários personagens que iremos acompanhar ao longo da história e vamos assistindo à forma como cada um nos é apresentado. Vamos vendo logo por aqui alguma crítica social que o Victor Hugo aproveita para fazer e que vai continuando ao longo do livro e das situações moralmente desafiadoras em que vai colocando as personagens.
O final é completamente arrebatador! No filme vemos algo completamente diferente e quem apenas se baseou nele para conhecer esta história, não imagina como acabam realmente estes personagens... Ah... Ainda sinto a dor daquelas últimas páginas!
Enfim, adorei este livro! Superou muito as minhas expectativas, embora só tivesse ouvido boas opiniões em relação a ele. Confesso que quando iniciei a leitura, tive algumas dificuldades com a escrita e em perceber o que se estava a passar, visto que entramos assim no meio de uma cena, numa época muito distante, cujos costumes e língua se diferenciam daquilo que melhor conhecemos. Mas essas estranheza inicial rapidamente desaparece, pelo que aconselho a que continuem a insistir, caso sintam o mesmo. Até porque vale muito a pena! Foi uma triste coincidência estar a lê-lo na altura em que a Catedral de Notre Dame teve um incêndio, mas acho que o trabalho que Victor Hugo começou com este livro (que salvou a catedral da demolição!), vai ter sempre a sua continuidade e a catedral vai arranjar sempre maneira de permanecer connosco. Tal como ele próprio diz:
"No rosto desta idosa rainha das nossas catedrais, ao lado duma ruga depara-se-nos sempre uma cicatriz. (...) Cada face, cada pedra do venerável monumento, é uma página, não só da história do país, como também da história da ciência e da arte."