"Escrever é usar as palavras que se guardam: se tu falares de mais, já não escreves, porque não te resta nada para dizer."
Como mencionei na publicação anterior, tencionava reler este livro do Miguel Sousa Tavares e foi isso mesmo que fiz. Decidi fazer uma mini pausa no Anna Karenina e ler outra coisa. De facto já tinha lido este livro, mas como foi há tantos anos, confesso que já de pouco me lembrava. Só sabia que tinha gostado.
Basicamente, No Teu Deserto começa imediatamente de uma maneira pouco comum. Logo no primeiro parágrafo é dito ao leitor que no final do livro a outra protagonista do romance irá morrer, "como se morre nos romances: sem aviso, sem razão, a benefício apenas da história que se quis contar".
Então, nesta história, o narrador vai contar-nos, como se se estivesse a dirigir à outra protagonista deste "quase romance", aquilo que viveu com uma mulher, a Claúdia, numa viagem pelo deserto do Saara. Esta não chega a ser uma relação romântica, por muito que o leitor acabe por torcer que sim.
Comparando a minha primeira leitura, acho que gostei mais da primeira vez que o li. Tal não significa, de todo, que não tenha gostado dele agora! Gostei, mas algumas partes foram um pouco superficiais de mais. Contudo, este livro consiste no narrador a contar como foi a sua viagem pelo deserto e fá-lo dirigindo-se à pessoa que esteve com ele, o que talvez possa desculpar essa falta de aprofundamento. Outro aspecto que me incomodou um bocadinho foi o facto de haver partes do livro narradas pela Claúdia, o que não faz grande sentido, visto que esta história é contada a partir do futuro, ou seja, a Claúdia já estaria morta aquando da narração.
Na minha opinião, a melhor parte do livro é mesmo a forma como o autor escreveu algumas partes, a forma como pensou e embelezou algumas coisas. De facto, a maneira como ele falou do deserto, fez-me olhá-lo de outra forma, não sendo apenas o sítio onde não se passa nada.
Por fim, acho que é um bom livro para descontrair, até porque se lê de forma bastante rápida.
"Não, não era disto que eu estava à espera: não estava à espera de te ver assim, caído sem defesa nem disfarce, e de sentir esta vontade incrível de me encostar a ti, como se tu fosses uma parede e eu o seu contraforte. Mas agora não vou pensar nisso, vou só dormir assim, abraçada a ti - e amanhã, se vier a propósito, falamos disso."
"De facto, só abro a gaveta quando vou à procura de uma imagem específica que possa ter uma utilidade concreta e actual, evitando cuidadosamente qualquer tipo de vistoria que possa despertar essa serpente venenosa que hiberna no fundo da gaveta e a que chamamos nostalgia. Dizem que as fotografias não mentem, mas essa é a maior mentira que já ouvi."
"E era assim connosco naqueles dias, também. Éramos donos do que víamos: até onde o olhar alcançava, era tudo nosso. E tínhamos um deserto inteiro para olhar."